Opinião
Um pequeno romance composto essencialmente por dez cartas de amor, «Cartas a Sandra» representa um epílogo ao romance «Para Sempre», do mesmo autor. O ideal do amor, já sobejamento dissecado em «Para Sempre», é neste romance ainda mais sublimado em cartas escritas por Paulo à sua amada após a sua morte. A catarse de um amor inesgotável, descrito das mais variadas formas, um amor tão forte que todas as palavras não o conseguem circunscrever e onde a dimensão metafísica desempenha um papel apaziguador no desespero obsessivo de Paulo na evocação da memória de Sandra.
Num estilo sóbrio embora angustiado, sem recorrer a frases ou expressões corriqueiras próprias de adolescentes nas suas mensagens de amor, Vergílio Ferreira explora a fundo a capacidade de amar do ser humano levada ao extremo, traduzida num viver perto da loucura, num desespero sereno de evocações comoventes enfatizadas numa dignidade de pensamentos filosóficos que transcendem em todo o seu esplendor metafísico a figura do amor elevado ao purismo do sentimento e à degradação da sua carne, numa fuga rumo à eternidade que é o expoente de todo o amor.
Num amor aparentemente com um só sentido, a dúvida permanece ao longo dos dois romances, mas talvez Sandra amasse tanto ou ainda mais Paulo quanto ele a ela. A descrição final do passeio ao alto da montanha é revelador de que, apesar de todas as diferenças entre os dois, o cerne comum que motiva os grandes amores efectivamente existia, traduzido num irreal que extravasa toda a razão humana.
Este livro falha talvez um pouco por, em determinadas partes, fugir ao tema principal (o amor de Paulo por Sandra), e ser usado para explicar determinados episódios e comportamentos da filha de Paulo conforme descritos no romance «Para Sempre», que acaba por se justificar de todas as asneiras que cometeu e harmonizar-se de acordo com uma maturidade fruto de uma vida onde rapidamente os reveses a levaram a um reencontro com o pai e também à revelação da transcendência e significado sublime da miséria da condição do ser humano.
Mas, de todo em todo, «Cartas a Sandra» representa um hino ao amor numa toada filosófica que abre ao leitor perspectivas muito interessantes sobre o tema e a muitos outros que com este se relacionam - amizade, cíume, sexo, etc.
Excerto
Julgo, aliás, que o amor, não bem o erotismo, foi por fim uma espécie de Valor que lhe redimia a vida inteira, ou, como ele dizia, qualquer coisa em que pudesse repousar a cabeça. Num tempo em que nada valia nada, surgia-lhe assim, sobretudo no fim da vida, uma forma de a justificar, como outros a redimem com a agitação política ou mesmo desportiva, que eram, segundo ele, um modo menor de a si mesmos se iludirem.
(...) O amor é tão monótono, querida. Porque ele é o cimo sensível de uma imensidade de coisas que se esqueceram. Como falar desse mínimo que é o vértice de todo um mundo que o sustenta? Falar de nada, que é o todo nele? Sandra. Podia dizer o teu nome infinitamente na multiplicação do que nele me ressoa. E é assim o que mais me apetece, dizê-lo dizê-lo. E ouvir nele o maravilhoso que me abala todo o ser. Poderia escrever o teu nome ao longo do que escrevo e teria talvez dito tudo. Mas eu quero desse tudo dizer também o que aí se oculta. Dizer o meu enlevo e a razão de ele me existir. As tuas mãos nas minhas. O incrível miraculoso de eu dizer o teu rosto. O ardor de um meu dedo na tua pele. Na tua boca. O terrível dos meus dedos nos teus cabelos. O prazer horrível até à morte da minha entrada no teu corpo.