Opinião
A minha leitura de A Pluma Caprichosa I de Clara Ferreira Alves não foi motivada por um conhecimento prévio da prosa cronística da autora nas páginas do "Expresso" que sempre me incomodou enquanto jornal pelas suas dimensões adamastorianas que não pela inegável qualidade da publicação semanal em questão.
A ler a "concorrência", nomeadamente uma crónica de "O Fio do Horizonte" de Eduardo do Prado Coelho em "O Público", foi assim que cheguei até um livro que ainda não tinha visto nos escaparates.
Uma tentativa frustrada de o encomendar pela Fnac online, frustrou-me as intenções de o ler quanto antes, parecia-me uma leitura urgente sem saber exactamente porquê. Talvez possa arriscar uma justificação ou duas. A crónica como "género" que muito me agrada e uma leitura que já arrastava há algum tempo e que não parecia adequada ao meu "momento". Reservo-me o direito de não referir o título e autor em causa que, aliás, muito aprecio e que par hazard ou nem por isso, também é um mestre na arte de "cronicar" embora com requintes poéticos mais raramente visíveis em Clara Ferreira Alves que se superioriza no campo de uma percepção rara do quotidiano que se desfia em gestos simples, numa visão do real e não do surreal que por vezes o autor cuja identidade não queria revelar e acabei subreptciamente revelando se socorre. Ora, a prosa de Clara nada tem de nonsense. Fluída e subtil, apela sem dúvida à perspicácia do leitor. E não só. Também à Cultura. Se para quem não conhece José Cardoso Pires, Al Berto (ou al berto...) ou Herberto Helder pode tornar-se difícil a compreensão de pormenores que o leitor assíduo imediatamente percepciona e acolhe numa cumplicidade própria de crime perfeito, por outro lado a descoberta pode começar aí, com uma pequena crónica em cujo final surge como "personagem" Herberto Helder com quem a autora fala sobre... dentes. O poeta que não se basta a si mesmo (como pretendia Rilke), que é "apanhado" entre uma ida ao dentista e o trabalho rigoroso da longa noite que o espera. Apanhado entre dois mundos. O real e criado, privilegiado habitante de ambos.
Encontrei o livro a tempo da salvação, da rotatividade a exigir tréguas e clemência. No canto direito de uma montra, meio escondido. O preço pouco surpreendente, quando se ama a leitura acaba por se pagar o que for preciso e nem se pergunta pelo preço. Provavelmente demais, mas vício é vício, é desregramento, cedência ao impulso. E para mais quando o vício é saudável...
«Olimpo? Para mim, é um sofá posto em sossego. E um livro, de preferência um romance, de preferência um romance clássico. Olímpicos? Estão a ler uma crónica sobre os Jogos Olímpicos da pessoa que em todo o hemisfério ocidental menos se interessa por Jogos Olímpicos. Sobre os ditos Jogos sei meia dúzia de nulas noções: que calham no verão; que há medalhas de ouro; que as multidões filistinas, como dizia o Eça, se deixam arrastar pela forma escultural e a brancura lilial da pele dos atletas.
Sei pouco mais. Associo os Jogos às férias: meio mundo numa sala aos gritos por causa de um "evento" e eu enrolada num canto a devorar páginas de... se me perdoa... literatura universal.»