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Opinião de Leitura
Vagão «J» Vagão «J»

Autor: Ferreira, Vergílio

Leitor: Paulo Neves da Silva

Opinião

Vagão «J», cuja origem do titulo é mantida em mistério até aos últimos parágrafos do romance, é o romance neo-realista, dos poucos que Vergílio Ferreira escreveu, que este elegeu como o romance que mais marcou essa sua fase de escrita, antes de enveredar nos romances de carácter existencialista.

É a história da família Borralho, família representativa do patamar mais baixo da escala social, numa vila rural no princípio do século XX. À partida, quando se começa a ler o romance, tem-se a ideia de que vamos ler mais um tipíco romance da história dos "coitadinhos" miseráveis, que nos faz ficar com a lágrima ao canto do olho, cheios de compaixão, pelo que, para quem não tem muita paciência para ler esse tipo de romances, fica logo com um pé atrás e a fazer um voto de fieldade consigo próprio para garantir a leitura completa do livro.

Mas... a partir das primeiras 30 páginas, desenganamo-nos. Sem quase darmos conta por isso, sentimo-nos completamente envolvidos e cativados pelo romance, e não é pela potencial apologia do "coitadinho miserável", mas pela forma brutal, real e sem qualquer encenação artificial da cruel forma de viver desses tempos, das assimetrias das classes sociais, dos padrões de comportamento, e da psicologia individual e colectiva representativa desses tempos.

A realidade do livro esmaga-nos. É a melhor expressão que encontro para catalogá-lo, não consigo (nem conseguirei) livrar-me tão cedo das imagens assustadoramente reais que o romance transmite, das descrições acutilantes e frias que faz das situações mais ingratas e mais hipócritas. Vergílio, que não tenta suavizar nada, também não oferece crueldade gratuita, ele oferece-nos o real, o bem real, mas contado de uma forma que só ele o sabe fazer, aquilo que nós próprios vivemos, visto de fora, mas de forma a que estejamos a vivê-lo; sentimos esse real mas sem compaixão, ele transmite-nos um real conformado, que nos conforma, conta-nos a ordem natural das coisas, preto no branco.

Os laivos "existencialistas" que existem em abundância nos seus livros posteriores também se encontram neste romance, naqueles que eu considero serem os momentos apoteóticos do livro, que têm lugar nas suas últimas 20 páginas. O neo-realismo numa perspectiva existencialista. Mas sem subterfúgios, o romance lê-se sem qualquer esforço, ele esmaga-nos com a cruel realidade dos tempos que relata.

Os Borralhos, família miserável. Os Borralhos, pessoas que sabem qual o seu lugar no mundo, que têm o seu destino marcado, aceitam-no mas lutam contra ele, sabendo que não podem escapar à ordem natural das coisas.

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