As crianças viravam as folhas
dos dias enevoados
e da página do Natal
nasciam os montes prateados

da infância. Intérmina, a mãe
fazia o bolo unido e quente
da noite na boca das crianças
acordadas de repente.

Torres e ovelhas de barro
que do armário saíam
para formar a cidade
onde o menino nascia.

Menino pronunciado
como uma palavra vagarosa
que terminava numa cruz
e começava numa rosa.

Natal bordado por tias
que teciam com seus dedos
estradas que então havia
para a capital dos brinquedos.

E as crianças com a tinta invisível
do medo de serem futuro
escreviam os seus pedidos
no muro que dava para o impossível,

chão de estrelas onde dançavam
a sua louca identidade
de serem no dicionário
da dor futura: saudade.

Natália Correia, in 'O Dilúvio e a Pomba'

1. De Amor nada Mais Resta que um Outubro
2. Ode à Paz
3. O Livro dos Amantes
4. O Espírito
5. Bilhete para o Amigo Ausente
6. A Arte de Ser Amada
7. Quanto Mais Amada Mais Desisto
8. O Poema
9. Falavam-me de Amor
10. Balada para um Homem na Multidão
11. Do Sentimento Trágico da Vida
12. Paz
13. Elegia dos Amantes Lúcidos
14. Os Namorados Lisboetas
15. A Exaltação da Pele
16. Poema Involuntário
17. O Testamento dos Namorados
18. Cidadania
19. Em Cruz não Era Acabado
20. Projecto de Bodas
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