A Ternura Cheia de Afecto de uma Pessoa Amiga
Sou bem diferente, sou, das outras mulheres todas. Eu quero antes os meus defeitos que as virtudes de todas as outras. E sou tão amiguinha tua! É espantoso como eu me prendi assim a ti, eu que imaginava ter morrido, incapaz de sentir por alguém o mais pequenino interesse bem vindo do coração. Tenho em toda a minha vida sido galanteada por muita gente, muitos homens me têm feito a corte e tenho tido um convívio enorme com rapazes; tenho conhecido homens inteligentíssimos, meus amigos sinceramente, homens de valor, homens de talento, homens duma lealdade a toda a prova, e nunca senti ao pé de nenhum a impressão de segurança, de bem estar que sinto ao pé de ti. Parece que me proteges de tudo que me livras de todos os males, e tenho às vezes a ideia de poisar a minha cabeça no teu peito e, como se fosse pequenina, adormecer ali tranquilamente. Há tanto tempo que não sentia em volta de mim a ternura cheia de afecto duma pessoa amiga! Agora tenho no mundo alguém, alguém que vive por mim mais do que por toda a gente.
Florbela Espanca, in 'Correspondência (1920)'