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Michel Eyquem de Montaigne

França
28 Fev 1533 // 13 Set 1592
Ensaísta/Escritor

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Amor e Amizade

Não podemos comparar à amizade a afeição que sentimos para com as mulheres, conquanto ela provenha da nossa escolha, nem tão-pouco podemos pô-la na mesma categoria. O seu fogo, confesso-o,

Pois não nos é desconhecida a deusa que um doce amargor junta aos cuidados de amor - Catulo, 'Epigrammata'

é mais activo, abrasador e acerbo, mas é um fogo intempestivo e volúvel, ondulante e diverso, febril, com altos e baixos e que só se prende a nós por um fio. Na amizade há um calor geral e total, de resto, temperado e igual, um calor constante e tranquilo, todo doçura e suavidade e sem nada de áspero ou de pungente. E o que mais é, no amor não há senão um desejo louco furioso do que nos foge:

Tal como à lebre segue o caçador, / Por montes e vales, ao frio e ao calor / E mal a vê presa mais não lhe liga, / Só o passo estuga desde que a persiga - Ariosto, 'Orlando Furioso'

Logo que entra nos domínios da amizade, onde as vontades vão ao encontro uma da outra, o amor esvai-se e enlanguesce. A fruição perde-o, uma vez que o seu objectivo é corporal e está sujeito à saciedade. A amizade, ao invés, é fruída à medida que é desejada, e só desponta, se desenvolve e cresce na fruição, já que é espiritual, e a alma se aperfeiçoa pela prática. Durante essa perfeita amizade, tais afeições passageiras também encontraram lugar para mim, para já não falar de La Boétie, que por de mais o revela nestes seus versos. Assim, os dois tipos de afeição coexistiram em mim, cientes um do outro, mas sem nunca se poderem equiparar: o primeiro, mantendo a sua rota em voo altaneiro e majéstico, e vendo com desdém o outro a fazer piruetas a um nível muito inferior ao seu.

Michel de Montaigne, in 'Ensaios'




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