O Efeito Nefasto da Afirmação e Repetição
A afirmação e a repetição são agentes muito poderosos pelos quais são criadas e propagadas as opiniões. A educação é, em parte, baseada neles. Os políticos e os agitadores de toda a natureza fazem disso um uso quotidiano. Afirmar, depois repetir, representa mesmo o fundo principal dos seus discursos.
A afirmação não precisa de se apoiar numa prova racional qualquer: deve, simplesmente, ser curta e enérgica, e cumpre que impressione. Pode-se considerar como tipo dessas três qualidades o manifesto seguinte, recentemente reproduzido em vários jornais:
Quem produziu o trigo, isto é, o pão para todos? O camponês!
Quem faz brotar a aveia, a cevada, todos os cereais? O camponês!
Quem cria o gado para dar a carne? O camponês!
Quem cria o carneiro para proporcionar a lã? O camponês!
Quem produz o vinho, a cidra, etc.? O camponês!
Quem nutre a caça? O camponês!
E, entretanto, quem come o melhor pão, a melhor carne?
Quem usa as mais belas roupas?
Quem bebe o bordeaux e o champagne?
Quem se aproveita da caça?
O burguês!!
Quem se diverte e repousa à vontade?
Quem tem todos os prazeres?
Quem faz viagens de recreio?
Quem se coloca à sombra no estio e no inverno junto a um bom fogo?
O burguês!!
Quem se nutre mal?
Quem raramente bebe vinho?
Quem trabalha sem cessar?
Quem se queima no verão e gela no inverno?
Quem padece muitas misérias e tem pesados trabalhos? O camponês!
Suficientemente repetida, a afirmação acaba por criar, primeiramente, uma opinião e, mais tarde, uma crença.
A repetição é o complemento necessário da afirmação. Repetir muitas vezes uma palavra, uma idéia, uma fórmula, é transformá-las fatalmente em crença. Do fundador da religião ao negociante, todos os homens que procuram persuadir a outros têm empregado esse processo.
O seu poder é tal que se acaba por crer nas próprias palavras assim repetidas e por aceitar as opiniões que habitualmente se exprime. Ao Senado que lhe pedia adotasse medidas destinadas à defesa da Republica, o grande Pompeu não cessava de repetir que César não atacaria Roma e, nota Montesquieu, «porque ele tantas vezes o tinha dito, ele dizia-o sempre». A convicção formada no seu espírito por essas repetições impediu-o de recorrer aos meios que lhe teriam permitido proteger Roma e conservar a vida, ao menos durante algum tempo.
A historia política está repleta de convicções formadas assim, pela repetição. Antes de 1870, os nossos generais e os nossos estadistas não cessavam de repetir que os exércitos alemães eram muito inferiores aos nossos. À força de repeti-lo, nisso firmemente acreditaram. Sabe-se o que nos custou essa convicção.
Tendo adoptado opiniões simplesmente porque lhes são úteis, o político, à força de sustentá-las, acaba por nelas acreditar; e muito dificilmente se liberta delas, mesmo quando se torna vantajoso mudá-las. O hábito de louvar a virtude teria acabado, talvez, por tornar virtuoso o próprio Tartufo.
As convicções fortes podem, assim, provir de convicções fracas ou mesmo, simplesmente, simuladas. «Fazei tudo como se acreditásseis», disse Pascal, «isso vos fará crer»
Gustave Le Bon, in 'As Opiniões e as Crenças'