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Plutarco

Grécia Antiga
46 // 120
Filósofo/Prosador

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Posse Cega

Afligir-se com o que se perdeu e não se rejubilar com o que foi salvo é necedade; só uma criança faria berreiro e atiraria fora o restante dos seus brinquedos se um lhe fosse tomado. Assim procedemos nós, quando a Fortuna nos é adversa num particular: tomamos o resto improfícuo com chorar e lamentarmo-nos.
- Que é que possuímos? - pode-se perguntar.
Que é que não possuímos? Este homem uma reputação, esse uma família, aquele uma esposa, aquele outro um amigo. No seu leito de morte, Antipater de Tarso fez um inventário das boas coisas que lhe haviam sucedido na vida e nele incluiu, mesmo, uma viagem feliz, que fizera de Cilícia a Atenas. As coisas simples não devem ser negligenciadas, mas levadas em conta. Devemo-nos sentir gratos por estarmos vivos, bem, e por nos ser dado ver o sol; por não haver guerra nem revolução; por a terra e o mar estarem ao dispor de quem deseje plantar ou velejar; por nos ser consentido escolher entre falar e agir ou ficar quietos, em paz, gozando do nosso repouso.
A presença destas bençãos aumentará ainda mais o nosso contentamento se imaginarmos como seria se não estivessem presentes; se nos lembrarmos o quanto suspira o enfermo pela saúde, os homens em guerra pela paz, o forasteiro numa cidade por amigos e prestígio, e o quão penosa pode ser a perda de tudo isso. Assim procedendo, não prezaremos tais bençãos somente depois de havê-las perdido, depreciando-as quando estamos seguros da sua posse. O facto de não termos algo não lhe aumenta o valor. É errôneo adquirir coisas na crença de que são boas; viver em constante temor de perdê-las, na suposição de que sejam boas; e, todavia, quando as possuímos, negligenciá-las e desprezá-las como de ínfimo valor. Pelo contrário, devemos usá-las com prazer e satisfação, de modo a podermos suportar-lhes facilmente a perda, se tal acontecer. A maioria dos homens, observa Arcesilau, sente-se obrigada a examinar minuciosamente os poemas, os quadros e as estátuas dos outros, admirando cada cada parte com a mente e com os olhos; negligenciam, entretanto, admirar as suas próprias vidas, que podem ter muitos pormenores dignos de agradável contemplação. Vivem sempre a olhar para a reputação e a fortuna dos outros homens, assim como os adúlteros olham para as mulheres alheias, esquecendo-se de olhar para si mesmos e para as suas próprias qualidades.

Plutarco, in 'Do Contentamento'




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