Opinião
Um homem com uma vida vulgar e rotineira cultivada pelo próprio encontra-se numa encruzilhada da vida, perante a morte de uma antiga namorada, o consumar do seu divórcio e o início de um romance com uma rapariga peculiar que exerce três profissões em simultâneo, dotada de umas orelhas maravilhosas. Uma fotografia de um cenário montanhoso com carneiros onde um destes apresenta uma característica anormal é a semente de um enredo do tipo policial em que a personagem principal é coagida a encontrar o carneiro da fotografia, descobrindo-se aos poucos os poderes sobrenaturais que o mesmo exerceu e exerce de forma maléfica e egocêntrica sobre toda a sociedade. De mistério em mistério, cruzando-se com personagens excêntricas quer pelos seus comportamentos quer pelas pistas crípticas que revelam, o encontro final do homem com aquilo que supostamente procura fá-lo pagar um preço muito mais elevado que aquilo que poderia suportar apesar do marasmo calmo com que definia a sua vida, num desenlace que troca as voltas ao leitor mas que acaba por ser a reposição da normalidade medíocre de uma vida moderna mergulhada no tédio.
Um romance onde realidade e ficção se misturam de forma harmoniosa, em que esta última surge como metáfora a uma sede de idealismo ou poder que constitui a base de sobrevivência de todo o tipo de sociedades, inclusivamente as ditas mais abertas. Escrito num estilo que cativa, quer pela simplicidade dos acontecimentos e nos diálogos que conjugam um humor inteligente e uma sabedoria subtil, quer na introspecção humilde da personagem principal e as associações divertidas, por vezes simultaneamente trágicas, que faz relativamente aos acontecimentos passados da sua vida ou perante as situações que enfrenta, gerando rapidamente empatia e cumplicidade com o leitor.
Excerto
Quando tive a minha primeira experiência sexual com uma rapariga, foi a primeira coisa que me veio à cabeça, aquele gigantesco pénis de baleia. Senti um enorme aperto no peito, ao imaginar que caprichos do destino, que tortuosas rotas o teriam trazido àquela despida e cavernosa sala de um aquário. Só de pensar nisso, invadia-me uma paralisante sensação de impotência. Contudo, tinha apenas dezassete anos e era demasiado novo para me deixar cair assim no desespero. Foi a partir de então que aquela ideia começou a ganhar corpo na minha cabeça. A saber: os homens não são baleias.
(...)
Ali estava eu, fielmente reflectido dos pés à cabeça. De pé, diante do espelho, fiquei a olhar para mim durante alguns momentos. Nada de especial, que fosse digno de nota. Era mesmo eu, com aquela minha expressão ambígua estampada no rosto. Contudo, o que ressaltava era a imagem, demasiado nítida. Faltava-lhe a típica monotonia bidimensional própria das imagens espelhadas. Em vez de ser eu a contemplar a minha imagem no espelho, era a minha própria imagem unidimensional a contemplar o meu verdadeiro «eu». Levantei a minha mão direita e limpei a boca com as costas da mão. O «eu» reflectido no espelho fez o mesmíssimo gesto. Ou então, talvez tivesse sido eu a repetir o gesto do meu reflexo. Naquela altura, já não sabemos dizer com toda a certeza se limpara de facto a boca com as costas da mão por minha livre e espontânea vontade.