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Opinião de Leitura
Dança, Dança, Dança Dança, Dança, Dança

Autor: Murakami, Haruki

Leitor: Paulo Neves da Silva

Opinião

No Japão dos anos 80, um trintão com uma vida sedentária como escritor de artigos culturais encontra-se meio perdido na vida após algumas peripécias vividas há quatro anos atrás, na sequência das quais morreu um dos seus maiores amigos e desapareceu a sua namorada, na senda da procura de um misterioso homem-carneiro (ver livro Em Busca do Carneiro Selvagem). Em sonhos chega-lhe o chamamento de alguém que chora por ele, o que lhe indica que algo na sua vida não ficou sarado, e o leva a voltar ao Hotel Golfinho, onde estava hospedada a sua namorada até ao seu desaparecimento. Surpreendido por o velhinho Hotel ter sido demolido e construído um novo e exuberante Hotel no seu lugar, permanece alguns dias no mesmo, descobrindo um piso especial transcendental mergulhado nas trevas onde só ele e uma recepcionista do Hotel têm acesso, e onde vai reencontrar o homem-carneiro, que lhe lança pistas para que este encontre o rumo da sua vida.

Numa saga marcada pelo ritmo da música dos anos 60, 70 e 80, em que a personagem principal, simultaneamente narrador, desfia a cultura musical que marcou várias gerações enquanto, qual romance tipo policial (que não é) segue uma pista após a outra, sem forçar nada e limitando-se a dançar consoante os acontecimentos se desenrolam, tal como sugerido pelo homem-carneiro, o narrador reencontra a amizade de um antigo amigo de escola, Gotanda, que é um actor de sucesso mas que, tal como ele, se sente deslocado e frustrado com a vida. Gotanda vai acabar por ser o centro em torno do qual se vão desvendar as misteriosas pistas e revelações factuais e metafísicas entre as quais vão acontecer a morte de várias pessoas e ainda a construção de uma outra amizade do narrador com uma difícil adolescente de treze anos com dotes paranormais. Dessas duas amizades e respectivas experiências e trocas de ideias surgirá, a pouco e pouco, a mensagem central deste romance, uma âncora de salvação que dá um sentido à vida no meio de uma sociedade consumista e pobres valores associados tal como sentido pelas três personagens - infelizmente a revelação deste sentido acabará por ser fatal para uma delas, conduzindo-a ao suicídio, pois a diferença entre aquilo que é e aquilo que gostaria de ser conduziu-a a praticar actos macabros mas simultanemente inconscientes de descompressão existencial que a deixa sem outra saída.

A procura da namorada do narrador estende-se até final do romance, com misteriosas mensagens e acontecimentos, tal como o assassinato de uma amiga da mesma e um episódio surreal do encontro de seis esqueletos num apartamento no Hawaii que significam as mortes de pessoas próximas ao narrador, procura que terá desenlace numa última ida ao Hotel Golfinho onde a mensagem do homem-carneiro se consolida e o narrador encontra, de uma vez por todas, o rumo da sua vida, aprendendo a lição premonitória da sua primeira mulher, que, quando se divorciou dele, lhe indicou qual a chave pela qual poderia passar o seu encontro com a felicidade.

Um romance onde a solidão está sempre presente, sentida de forma diversa mas pungente por cada uma das personagens, revelador por um lado da desagregação social sentida nos dias de hoje, revelador por outro de atitudes egotistas a que as personalidades de cada um muitas vezes levam, onde o arrependimento não vale quando a solução sempre esteve ao alcance de cada um, provando que, enquanto há vida, há sempre probabilidades de se corrigir o rumo futuro.

Concluindo, um excelente romance onde o real e o irreal se confudem ou misturam, estando num a chave do outro e vice-versa, num viciante epigrama que representa a metáfora da vida de cada um, num estilo muito próprio característico e único de Haruki Murakami.

Excerto

Cada ser humano atinge o seu apogeu de maneira diferente, num dado momento. Uma vez alcançado esse ponto alto, é sempre a descer. Fatal como o destino. E o pior é que ninguém sabe onde é que se situa o seu próprio auge. A linha divisória pode desenhar-se de repente, quando uma pessoa pensa que ainda estava a pisar terreno seguro. Ninguém tem maneira de saber. Alguns atingem esse pico aos doze anos, e depois espera-os uma vida perfeitamente monótona e sem chama. Outros continuam sempre em ascensão até à morte; outros morrem no seu máximo esplendor. Muitos poetas e compositores vivem em estado de permanente arrebatamento e estão mortos quando chegam aos trinta anos. Depois há aqueles, como é o caso de Picasso, que aos oitenta e muitos anos ainda pintava quadros cheios de vigor e teve uma morte tranquila, sem saber o que era o declínio.

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