Opinião
Na Barcelona de início do século XX, uma casa desabitada durante muitos anos encerra um mistério que envolve um livro maldito e a morte de uma criança. David, personagem principal e narrador, é um jovem aspirante a escritor que, após os primeiros fogachos de sucesso na escrita de histórias para um jornal, recebe o convite para escrever um livro de contornos tenebrosos para uma personagem sinistra que lhe oferece uma fortuna pela escrita do mesmo – um livro religioso, que, tal Bíblia ou Alcorão, permitira criar um novo movimento de condução das massas populares para qualquer fim que se pretendesse obter. Ao ir viver para a casa desabitada que há muito o atraía, David depara-se com coincidências estranhas que envolvem o anterior habitante dessa casa e o seu editor, dando início a uma investigação que a pouco e pouco vai deixando mortes estranhas atrás de si, à medida que vai sendo também perseguido pela polícia, contando ainda com a grande amizade de uma admiradora da sua escrita e o desespero do seu caso de amor pela mulher do seu melhor amigo.
Num ambiente de negro pessimismo, o desenrolar da história asfixia o leitor à medida que os capítulos se desenrolam, principalmente a partir da segunda parte do livro. Os mistérios adensam-se em vez de se simplificarem, e na sofreguidão de saber o final da história, o leitor é presenteado com um bom (?) e rápido final mas que deixa em aberto muitas interpretações para factos que aparentemente estão incompletos ou que se contradizem uns aos outros. A mistura entre realidade e ficção, a existência de episódios que nunca poderiam ter existido na realidade, roçando o fantástico, tornam este romance um encanto de leitura mergulhando o leitor numa atmosfera de que não se irá livrar mesmo após o término do livro, tal a angústia provocada pelo mistério que se arrasta sem solução, o choque provocado pelos acontecimentos, e o volume agudo das emoções que se sentem no calor das personagens, numa inesquecível Barcelona tenebrosa de cenários quase irreais.
Num hino ao amor e à amizade, aos livros e à escrita, “O Jogo do Anjo” aborda esses temas directa ou indirectamente de forma magistral ao mesmo tempo que representa, no campo das ideias, uma crítica velada às ideologias e crenças que têm como expoente a religião e a política, e como seus sucedâneos menores o espiritismo e a feitiçaria. O trabalho solitário do escritor e os seus segredos, a sua parca recompensa material e os perigos da vaidade estão bem traduzidos na personagem David que se diria personificar as próprias ideias e pontos de vista do autor deste romance, que, tendo escrito “O Jogo do Anjo” após o muito célebre e excelente romance “A Sombra do Vento”, consegue escrever um livro de contornos semelhantes, mais amadurecido e abrangente em termos literários, eventualmente menos sedutor para os fans do seu romance anterior, por mais complexo e aberto a interpretações que nem sempre são do agrado dos leitores que gostam dos romances com finais que explicam tudo.
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Guia de releitura, capítulo a capítulo:
A Cidade dos Malditos
1. O jovem David Martin no jornal, apadrinhado por Pedro Vidal. Don Basilio Moragas, por falta momentânea de colaboradores, incita David a escrever num espaço do jornal, uma história, com sucesso – que depois se transforma, com sucesso, em “Os Mistérios de Barcelona”.
2. A inveja dos colegas de David. A visita de Vidal à pensão onde está hospedado Martin. A primeira carta de Andreas Corelli, a elogiar os escritos de “Os Mistérios de Barcelona” e o convite a visitar o “El Ensueno del Raval”. O motorista de Pedro Vidal, Manuel, e sua filha Cristina.
3. A ida a “El Ensueno del Raval”. A prostituta Chloé e a noite iniciática de sonho. O segundo bilhete de Andreas Corelli, a convidá-lo a trabalhar com ele no futuro.
4. A tentativa de regresso a “El Ensueno del Raval”, três dias depois. Em ruínas. Encontrava-se encerrado há 15 anos.
5. A história do pai de David e sua convivência com ele. Os mal tratos e o ódio à leitura do filho, apesar de todo o amor que sente por ele. A livraria Sempere e o livro “Grandes Esperanças”, emprestado a David mas devolvido logo a seguir por causa da perseguição do pai. A morte do pai e a vida de David após esse acontecimento. A livraria Sempere e o livro “Grandes Esperanças”, vendido no dia em que David decide comprá-lo.
6. O despedimento do jornal por pressão dos colegas, devido à inveja – apesar do desgosto de Don Basilio. A conversa com Pedro sobre a frustração no livro que este está a tentar escrever. O convite, por Pedro, de que David vá trabalhar para uma editora.
7. Encontro com os editores “Barrido e Escobillas”. O início da escrita da série mensal “A Cidade dos Malditos” sob o pseudónimo Ignatius B. Samson. O aluguer do número 30 da Calle Flassaders – a casa da torre, com aviso de malapata e não ser habitada há muitos anos.
8. Primeira visita à casa da torre com arrendatários. Instalação e execução de pequenas obras. Ao fim de um ano como Ignatius B. Samson recebe nova carta de Andreas Corelli a felicitá-lo pelo êxito da série, recebendo também, como presente, o exemplar de “Grande Esperanças” que estava na livraria Sempere.
9. Ida à livraria Sempere com o exemplar de “Grandes Esperanças”. Ajuda no carregamento da encomenda de livros de Cristina.
10. Sempere – a constatação da paixão de David por Cristina. O encontro com Pedro Vidal e a conversa sobre Cristina. O convite de Pedro Vidal para uma ópera. A conversa com Cristina na ópera. Novo encontro casual com Cristina no dia seguinte. Conversa sobre o desperdício dos talentos de escrita de David. A festa surpresa de Pedro Vidal pelos 28 anos de David. Nova conversa com Cristina para um novo encontro.
11. A visita de Cristina à casa da torre. O pacto de ajuda a Pedro Vidal na escrita do seu romance, sem que este saiba.
12. Os encontros regulares de Cristina com David na casa da torre para consertos e reescrita de partes do romance de Pedro Vidal. A tentativa sem sucesso de beijo de David. A visita nocturna às obras do templo da sagrada família e o atropelamento de David por um eléctrico.
13. O despertar de David no hospital. A saída para o Parque de la Cidadela – o primeiro encontro casual com Andreas Corelli. A proposta para que David trabalhe um ano em exclusividade para ele, por cem mil francos. A recusa de David por não se achar à altura, e os elogios de Corelli. David vai pensar.
14. A consulta do Dr. Trias e a notícia da morte próxima de David (9 meses) devido a tumor no cérebro.
15. A visita a “Barrido e Escobillas” anunciando a morte do pseudónimo Ignatius B. Samson. O convite, aceite, para escrever um livro sobre o seu próprio nome, em 9 meses. O trabalho de David nos dois livros, no de Pedro Vidal e no seu. As encomendas de mercearia da Can Gispert, entregues regularmente pela filha dos donos. O aneurisma do pai de Cristina. O encontro com Pedro Vidal, que lhe diz que tem segredos que contará mais tarde.
16. O término de escrita dos dois livros. O falecimento do pai de Cristina comunicado pelo motorista substituto Pep. O acolhimento de David a Cristina, na estação, e a ida de ambos para a casa da torre. O álbum de fotos de Manuel/Cristina como presente para David. A foto estranha de uma menina levada pela mão de um homem, ambos de costas. A noite de amor de David e Cristina, tomada com primeiro e última por ambos.
17. O sucesso do livro de Pedro Vidal, “A Casa das Cinzas”, e o insucesso do livro de David, “Os Passos do Céu”. As críticas dos jornais. A visita aos “Barrido e Escobillas”. A conversa azeda e a proposta de volta a Ignatius B. Samson, recusada ostensivamente por David.
18. Visita de David a Sempre. Desabafos sobre o insucesso do livro. Sempre verificou que foi David que escreveu o livro de Vidal, pela leitura do mesmo. A visita de Barrido e Escobillas à casa da torre, com ameaça de pedido de indemnização, se não houver resposta positiva de David em uma semana. «Dentro de uma semana estarão mortos», vaticina David. A visita a Pedro Vidal. Conversa sobre os dois livros e a revelação dos dois segredos de Vidal – o pai de David foi assassinado por engano no lugar dele e o anúncio do casamento em breve de Vidal com Cristina. A oferta anónima, por David, de “Os Passos do Céu” à mãe que trabalha numa loja de roupa – a mãe joga o livro para o lixo.
19. A visita a Sempere, e o estado de saúde debilitado de David. O propósito de salvamento do exemplar de “Os Passos do Céu”, com a proposta ida ao cemitério dos livros esquecidos.
20. Cemitério dos livros esquecidos – a deambulação pelos corredores e o depósito do exemplar de “Os Passos do Céu”.
21. Cemitério dos livros esquecidos – a escolha do livro “Lux Aeterna”, de D.M.
22. Nova carta de Andreas Corelli a convidá-lo para novo encontro numa casa no Park Guell. David quase moribundo durante 7 dias devido a agravamento de doença.
23. O casamento de Pedro e Cristina, amaldiçoado por David. A pistola do pai de David.
24. A visita a casa de Andreas Corelli. O reavivar da proposta e a cedência de David pela promessa de cura da sua doença. A noite em casa de Andreas Corelli.
25. O sonho de David na casa de Andreas Corelli. A operação ao cérebro e a visão do tumor arrancado. Na manhã seguinte, a saída de casa de Andreas Corelli sem sintomas da doença, mais os cem mil francos oferecidos por Corelli para a escrita do livro.
Lux Aeterna
1. O incêndio na “Barrido e Escobillas” e a morte de Barrido. O primeiro inquérito do inspector Victor Grandes mais os agentes Marcos e Castelo, e o fraco álibi de David.
2. Diálogos com Sempere – o pedido de Sempere para que fale com uma admiradora do trabalho de David, Isabella Gispert.
3. Nova visita de Victor Grandes a comunicar a morte de Escobillas. Leitura de “Lux Aeterna” e a constatação de que esse livro foi escrito na mesma máquina que está na sua secretária.
4. O primeiro encontro e diálogo com Isabella – o pedido de análise à sua escrita, por ser o único escritor que conhece.
5. David e Isabella na casa da torre. A intromissão e os sermões, mais os conselhos a Isabella.
6. A suspeita das coincidências em relação a Corelli. A investigação no quarto dos fundos e a parede de gesso. Visita a Sempere, e convite para jantar. Jantar com Sempere filho e encontro com Pedro/Cristina na mesma sala. A bebedeira. O encontro com Isabella à porta de casa – o pedido para ficar em casa de David.
7. A insistência de Isabella. Carta de Corelli a combinar novo encontro, aberta previamente por Isabella. A expulsão de Isabella.
8. A visita a casa de Corelli. Diálogo e reflexões sobre a religião e objectivos do livro que Corelli pretende.
9. Regresso a casa, e o salvamento de Isabella, atacada por dois bandidos.
10. O diálogo de David com o pai de Isabella, que pediu que a acolhesse. Regresso a casa, Isabella fica a morar aí.
11. Arrufos com Isabella. As idas à biblioteca del Carmen para estudo de textos religiosos. Diálogos com Eulália.
12. Arrufo com Isabella devido a Cristina. Nova marcação de encontro por Corelli. O encontro com Corelli no teleférico. Diálogos sobre a religião e textos religiosos.
13. Arrufos com Isabella, considerações sobre a escrita.
14. A ida à livraria de Barceló, compra da Bíblia. Informações misteriosas sobre a editora de Corelli e o desaguisado deste com outro editor, Coligny, a quem roubou o escritor Lambert – que mais tarde se suicidou com o manuscrito que estava a escrever.
15. A compra da caixa de aparos para Isabella. Isabella em investigações no quarto dos fundos, surpreendida por David. A fotografia onde se encontram Irene Sabino e Andreas Corelli.
16. O início da escrita do livro de Corelli.
17. Novo encontro com Corelli, incidindo na leitura das primeiras páginas escritas por David. Guidelines de Corelli para que o livro atinja todos os públicos.
18. Conservatória do registo predial – análise dos registos da casa da torre – o nome do advogado Valera. Ordem dos advogados – informações e endereço do advogado Valera. Sempere – as dividas e os livros.
19. Almoço com Sempere. As angústias de Sempere relativamente ao filho, que ainda não tem mulher.
20. Visita ao advogado Valera. Informações sobre Diego Marlasca, antigo sócio do pai Valera, e da casa da torre. O livro de Diego Marlasca. Menções de Irene Sabino e Alicia Marlasca. O endereço da viúva.
21. Grande discussão com Isabella e novo pacto, agora sem despotismos.
22. O novo dia a dia de David com Isabella e o pedido de que trabalhe umas horas na livraria Sempere, para ajudar às vendas.
23. A visita a casa de Alicia Marlasca. O subsidio de Valera. O conselho de Alicia – esquecer a casa da torre.
24. A história de Alicia. A morte do filho Ismael. O envolvimento de Diego Marlasca com Irene Sabino, Jaco, Roures. As investigações de Ricardo Salvador, que não dá notícias há muito tempo. Diego não se suicidou, foi morto por Jaco e Irene. Diego acreditava ter pouco tempo de vida e que se escrevesse o livro salvaria Ismael.
25. À porta da Villa Helius, o contacto visual com Cristina. Em casa, arrufos com Isabella devido a Cristina.
26. Novo encontro com Corelli no Parque de la Cidadela, e apreciação de novas páginas do livro escritas por David. O jazigo do pai. A grande discussão com Corelli devido à repugnância dos seus objectivos. As folhas do livro jogadas aos sete ventos por Corelli.
27. A visita a Don Basilio. Pedido de informação sobre notícias da morte de Diego Marlasca.
28. Os arquivos do jornal – Don Broton. As notícias sobre a morte de Diego Marlasca. O contacto de Ricardo Salvador.
29. A visita a Ricardo Salvador. A explicação da morte de Diego Marlasca. Jaco como assassino, com conivência de Irene Sabino e Roures, ambos a viver actualmente sem sinais de riqueza. Foto de Diego Marlasca oferecida por Ricardo Salvador.
30. A visita e conversa com Sempere filho. A débil saúde do pai. O elogio a Isabella. A conversa com Sempere pai, a sua saúde, e Isabella.
31. Na casa da torre com Isabella. O atiçar das virtudes e amor de Sempere filho por Isabella.
32. A visita a Damian Roures. Roures suspeita que Jaco matou Diego Marlasca e levou o dinheiro, se o havia. Roures com muito medo deste assunto, aconselhou na altura Diego Marlasca a deixar o espiritismo. Não tem contacto de Irene Sabino.
33. A visita de Victor Grandes, e almoço no restaurante. Grandes tem conhecimento das investigações de David. Grandes comunica que Cristina se tentou suicidar. De regresso a casa, David descobre um maço de cartas de Cristina, escondido por Isabella, e expulsa-a de casa.
34. David vai ao cemitério para ver a sepultura de Diego Marlasca. É atacado por Irene Sabino mais outra pessoa, que lhe deixa vários cortes no peito.
35. Na casa da torre. Leitura de uma das cartas de Cristina. A visita de Victor Grandes que o prende e o leva para o comissariado. David é acusado de estar envolvido no homicídio de Damian Roures. David recusa-se a dar detalhes das suas investigações – aparece o advogado Valera que o tira da polícia, e que lhe entrega carta de Corelli a convidar David para novo encontro. Carta queimada por David.
36. David volta a casa de Alicia Marlasca. O quarto do filho Ismael e a pomba morta. O estranho de faca na mão. O cadáver de Alicia na piscina. A fuga.
37. Na casa da torre. A vinda de Cristina.
38. A decisão de fugirem para Paris, para viverem juntos para sempre. A confissão de Cristina da infelicidade que sentiu com Pedro, e o amor por David.
39. Carta de Corelli a lamentar a falta de David ao último encontro, mas prometendo novo contacto daí a uns dias. David e Cristina.
40. O passeio de David e Cristina por Barcelona. Na casa da torre. Conversas sobre o livro que David está a escrever – Cristina manifesta interesse em lê-lo. Na manhã seguinte, Cristina surpreendida a ler o livro – a repreensão de David.
41. A compra dos bilhetes de comboio para Paris, e a ida ao banco. Volta à casa da torre, o desaparecimento de Cristina; manuscrito continua em casa. Visita de Isabella – comunicação da morte de Sempere pai.
O Jogo do Anjo
1. Na livraria de Sempere, o corpo de Sempere pai. Conversas com Barceló e Isabella.
2. O funeral de Sempere pai. A agressão de David a Pedro Vidal, quando ele lhe reiterou que não sabe o paradeiro de Cristina.
3. Na casa da torre. A releitura de “Lux Aeterna” e a posterior queima. O término da escrita do livro de Corelli. A visita de Isabella que se impõe a David, encontrando-se este num estado de saúde lastimável. O exame do doutor. O passeio com Isabella e conversas sobre Sempere filho.
4. Na casa da torre. Isabella. Conversas sobre o livro, que David diz que abandonou. Aparentemente, Sempere morreu por causa de uma discussão com uma mulher que queria comprar “Os Passos do Céu”, e o roubou. Um vizinho reconheceu a mulher – Irene Sabino. Isabella aceitou proposta de casamento de Sempere filho.
5. Procura de Cristina por Barcelona. O encontro casual com Corelli, que perdeu o pregador de anjo. David comunica-lhe que o livro está terminado, que o entrega daí a um par de semanas. O encontro com Pep à porta da ópera, que não sabe onde está Cristina, mas sabe que ela estava com saudades do pai.
6. Grandes à espera de David à porta de casa, que o evita. O telefonema a Ricardo Salvador.
7. A viagem de comboio para o sanatório onde tinha morrido o pai de Cristina. A visita ao sanatório. Diálogo com o médico Sanjuan. A visita ao quarto de Cristina, que se encontra muda e de olhar ausente.
8. A visita de Sanjuan ao hotel de David. Diálogos sobre Cristina. Nova visita a Cristina, que continua de presença muda e ausente.
9. Novas visitas infrutíferas a Cristina. A meio da noite, a ira e auto-mutilação de Cristina. Na manhã seguinte, o diálogo entre David e Cristina, que lhe implora que o manuscrito seja destruído, pois foi agredida quando o tentou fazer. David recusa.
10. A visita ilegal ao quarto de Cristina à noite. O desaparecimento de Cristina. Seguindo o rasto. Cristina no lago. A quebra do gelo do lago e a morte de Cristina perante um David impotente.
11. A fuga de David para Barcelona apesar de todo o aparato montado à sua procura. Na casa da torre. O pregador de anjo no baú do manuscrito. O revólver do pai.
12. A visita a casa de Andreas Corelli. Os disparos sobre Corelli que afinal era um boneco. A sala de operações e os bonecos representando os criados de Corelli. O boneco de David, meio-feito. A fotografia de Cristina, de branco, com Corelli por trás.
13. O telefonema a Ricardo Salvador. Ricardo diz que Jaco voltou. Ricardo não acredita na existência da bruxa do Sorromostro nem do editor. A visita ao escritório de Valera. O telefonema para casa de Valera, que afirma que não conhece Corelli, e que, das instruções deixadas por Diego Marlasca, existia um fundo do qual deveriam sair verbas para Jaco e Irene. O pedido de consulta às agendas de Valera pai, para saber dos destinos dos depósitos, que Valera diz que leva horas. O pedido da morada de Valera à secretária.
14. A visita a casa de Valera, que se encontra morto na sua poltrona com a agenda do pai na mão. Pagamentos a atelier de escultura, Jaco/Irene e bruxa de Sorromostro. A fotografia de Diego Marlasca, na parede – que é igual à de Ricardo Salvador!
15. A visita ao cemitério, ao atelier de escultura. Descoberta da sua própria lápide. O menino que o leva a casa da bruxa de Sorromostro.
16. Na casa da bruxa de Sorromostro, que lhe diz que é filha dela, invocando que a mãe foi morta por Diego Marlasca, depois de esta lhe ter falado na necessidade de sacrifício de uma alma por outra alma. A bruxa sorri sarcasticamente quando David diz que na casa da torre não há nada que explique os mistérios. A cicatriz no pescoço. «Se calhar não procurou no lugar certo. Se calhar essa alma aprisionada é a sua».
17. De volta à casa da torre. David recomeça a fazer investigações no quarto dos fundos, interrompida por Victor Grandes, que o prende.
18. No comissariado. David conta toda a sua história a Victor Grandes, que a acha meio absurda. Victor quer saber onde se encontra Cristina, o seu principal móbil no inquérito. Victor vai averiguar factos reportados por David.
19. Victor desmente todos os factos de David. O doutor Trias morreu há muitos anos. A conta dos cem mil francos não existe. Tem prova do pagamento da lápide de David por ele próprio. Na casa de Corelli, não encontra nada daquilo que David descreveu. Irene vive miseravelmente após ter terminado o fundo de Diego Marlasca, e Jaco morreu alcoolizado. Irene tem exemplar de “Os Passos do Céu”. Pedro acha que David enlouqueceu. Pais de Pedro querem saber paradeiro de Cristina a todo o custo. Inspector tem pregador de anjo na lapela. Inspector deixa David fugir.
20. A visita a Irene Sabino, que se está a suicidar com um veneno. O exemplar de “Os Passos do Céu” com desenhos estranhos de feitiçaria. A fuga de David da pensão devido à perseguição de Marcos e Castelo, que acabam mortos na luta com David.
21. David gravemente ferido vai para casa de Pedro Vidal, que o trata.
22. A visita de Victor Grandes a casa de Pedro, que esconde a presença de David. Pedro confirma complot de Victor Grandes, de o matar através de Marcos e Castelo e a fuga simulada para esse efeito. Pedro sugere sacrificar-se para limpar a alma de David. O suicídio de Pedro.
23. A saída de casa de Pedro e a perseguição de Victor Grandes. O teleférico. A luta. As quinze mil pesetas de Vidal pai. A morte de Grandes na luta com David – David salvo por um tiro que se encaixou no exemplar de “Os Passos do Céu”.
24. Na casa da torre. O quarto dos fundos e a parede falsa. O cadáver na cadeira – Ricardo Salvador. O aparecimento de Diego Marlasca com o manuscrito na mão. A luta e a morte de Diego Marlasca.
25. Na livraria de Sempere. A oferta do exemplar de “Os Passos do Céu” mais as quinze mil pesetas a Isabella. A ida com Isabella ao cemitério dos livros, o depósito do manuscrito de Corelli e a constatação do mesmo tipo de escritos nos livros dessa secção da biblioteca.
Epílogo – quinze anos depois – a carta a Isabella e a resposta de Sempere filho. A visita de Andreas Corelli, que traz Cristina criança pela mão. O perdão e a maldição de Corelli – David fica imortal para assistir à morte da menina quando velha.
Excerto
Não o ouvi aproximar-se, mas quando levantei a cabeça vi que o patrão me observava em silêncio a poucos metros de distância. Levantei-me e aproximei-me dele como um cão bem amestrado. Perguntei a mim próprio se ele saberia que o meu pai estava enterrado naquele lugar e se me teria marcado encontro ali precisamente por isso. O meu rosto devia ler-se como um livro aberto, porque o patrão abanou a cabeça e poisou-me a mão no ombro.
- Não sabia, Martín. Lamento muito.
Não estava disposto a abrir-lhe aquela porta de camaradagem. Voltei-me para me libertar do seu gesto de afecto e comiseração e apertei os olhos para conter as lágrimas de raiva. Comecei a aproximar-me da saída, sem esperar por ele. O patrão aguardou alguns segundos e depois resolveu seguir-me. Caminhou a meu lado em silêncio até chegarmos à porta principal. Ali chegado, parei e olhei-o com impaciência.
- E então? Tem algum comentário a fazer?
O patrão ignorou o meu tom vagamente hostil e sorriu de modo paciente.
- O trabalho é óptimo.
- Mas...
- Se tivesse de fazer alguma observação, seria que acertou em cheio ao construir uma história do ponto de vista de uma testemunha dos factos que se sente vítima e fala em nome de um povo que espera a chegada desse salvador guerreiro. Quero que continue por essa via.
- Não lhe parece forçada, artificiosa...?
- Muito pelo contrário. Nada nos faz acreditar mais do que o medo, a certeza de estarmos ameaçados. Quando nos sentimos vítimas, todas as nossas acções e crenças são legitimadas, por mais questionáveis que sejam. Os nossos opositores, ou simplesmente os nossos vizinhos, deixam de estar ao nosso nível e transformam-se em inimigos. Deixamos de ser agressores para nos convertermos em defensores. A inveja, a cobiça ou o ressentimento que nos movem ficam santificados, porque pensamos que agimos em defesa própria. O mal, a ameaça, está sempre no outro. O primeiro passo para acreditar apaixonadamente é o medo. O medo de perdermos a nossa identidade, a nossa vida, a nossa condição ou as nossas crenças. O medo é a pólvora e o ódio o rastilho. O dogma, em última instância, é apenas um fósforo aceso. É aí que o seu trabalho tem um ou outro buraco.