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Opinião de Leitura
O Fantasma Sai de Cena O Fantasma Sai de Cena

Autor: Roth, Philip

Leitor: Paulo Neves da Silva

Opinião

Nathan Zuckerman é um escritor de 71 anos que volta a Nova Iorque após um exílio de onze anos onde se dedicou unicamente à escrita e viveu completamente isolado do mundo. Na esperança de aliviar o seu problema de incontinência com um novo tipo de tratamento, rapidamente se envolve em peripécias que despertam os seus sentidos e sentimentos adormecidos, ao tomar contacto com um casal jovem a quem propõe a permuta de casa durante uns tempos, não resistindo a uma forte atracção pela mulher, Jamie.

Simultaneamente, Nathan é confrontado com Richard Kliman, um suposto candidato a biógrafo do seu grande mentor e escritor, E. I. Lonoff. Kliman, após ter estabelecido contacto com a muito fragilizada esposa do falecido escritor, Amy, possui material do último romance de Lonoff que nunca foi publicado por vontade do mesmo, mas que, segundo Kliman, contém a revelação do «grande segredo» de Lonoff e que, a ser publicado, revelaria o génio que transforma um grande pecado numa obra de arte.

Dividido entre a paixão crescente por Jamie, com a qual fantasia diálogos, e o confronto crescente com Kliman na tentativa de protecção da memória de Lonoff, Nathan encontra-se num desespero em que todas as fraquezas e limitações da sua idade avançada se tornam ainda mais notórias para si próprio, frustrado também com a falsa modernidade que encontra em Nova Iorque, num mundo em que as novas gerações se lhe revelam de um espírito mais superficial e vazio do que nunca. Vítima de uma memória que lhe prega muitas partidas, revela ainda o declínio de um escritor que luta com todas as suas forças para que os seus romances continuem a fazer sentido apesar de muitas vezes nem se lembrar do que escreveu na última página.

Excerto

A minha mala estava meio feita em cima da cómoda do hotel, onde a tinha deixado quando saí à pressa para ir à West 71st Street. Uma luz a piscar no telefone indicava que eu tinha uma mensagem. Mas ainda não sabia de quem porque, mal entrei no quarto, tinha ido sentar-me à minúscula escrivaninha junto à janela que dava para o trânsito da 53rd Street, e novamente, em papel timbrado do hotel, escrever o mais rapidamente possível um diálogo com Jamie que não tinha acontecido. O meu caderno de tarefas registava o que eu fazia e o que tinha para fazer como auxiliar de uma memória claudicante; esta cena de diálogo nunca pronunciado registava o que não tinha acontecido e não era auxiliar de nada, não aliviava nada, não levava a nada, e no entanto, tal como na noite das eleições, tinha achado extremamente necessário escrevê-lo no momento em que entrei no quarto, porque as conversas que ela e eu não temos são ainda mais pungentes do que as que temos, e a «Ela» imaginária mais viva no centro da sua personagem do que a «ela» real alguma vez será.
Mas não será o nosso coeficiente de dor suficientemente chocante sem a amplificação ficcional, sem dar às coisas uma intensidade que na vida real é efémera e por vezes até invisível? Para alguns, não. Para outros, poucos, muito poucos, essa amplificação, que se desenvolve hesitante a partir do nada, constitui a única segurança, e a vida não vivida, a vida conjecturada, minuciosamente passada ao papel, é aquela que acaba por ser a mais importante.

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