Comentários
No mesmo livro com Ecce Homo e Nietzsche contra Wagner
Excerto
Não subestimemos isto: nós próprios, que somos espíritos livres, já somos uma «transmutação de todos os valores», uma declaração de guerra e de vitória em pessoa a todos os velhos conceitos de «verdadeiro» e «não verdadeiro». Os conhecimentos mais valiosos são os que mais tardiamente se acham; ora, os conhecimentos mais valiosos são os métodos. Todos os métodos, todas as condições prévias do nosso actual espírito científico tiveram contra si, durante milénios, o mais profundo desprezo: por sua causa, era-se excluído do trato com pessoas «honestas», pois passava-se por «inimigo de Deus», por desprezador da verdade, por «possesso». Enquanto carácter científico, era-se um tchandal*... Tivemos contra nós todo o pathos da humanidade, a sua concepção do que deve ser a verdade, do que deve ser o serviço da verdade: todo o «tu deves» foi, até ao presente, dirigido contra nós... Os nossos objectos, as nossas práticas, a nossa maneira silenciosa, cautelosa, desconfiada - tudo isso lhe parecia perfeitamente indigno e desprezível. Por último, poder-se-ia perguntar com alguma razão, se não foi efectivamente um gosto estético que manteve a humanidade numa tão longa cegueira: ela exigia da verdade um efeito pitoresco, exigia igualmente do homem de ciência que este produzisse um forte efeito sobre os sentidos, Foi a nossa modéstia que, durante mais tempo, lhe desagradou... Oh! Como eles adivinharam isso, esses perus de Deus!...
in O Anticristo, Nietzsche
* membro da classe inferior na sociedade de castas hindu