Opinião
O comportamento passivo do Homem moderno é analisado no texto avassalador de Guy Debord. Mal sabia o autor que as suas projecções baseando-se na sociedade onde vivia (durante a guerra mundial) iriam concretizar-se na sociedade contemporânea onde o espectáculo se sobrepôs à vida humana: o real.
A sociedade do espectáculo transforma o humano num ser passivo. Hoje existe uma maior contemplação do que uma acção. O mentiroso mentiu-se a si próprio e existe um espectáculo de tal forma que quem produz esse espectáculo não se apercebe do está a produzir e que está a produzir. O espectáculo, nascido das "condições modernas de produção", automatizou-se do Homem.
Esta é a segunda fase do capitalismo, e a mercadoria é o espectáculo. Debord constrói sobre a desconstrução da sociedade realizada por Marx (meios de produção). Reforça a teoria de Marx substituindo o bem produzido que antes era palpável para um bem metafísico. Esse bem metafísico é o espectáculo que existe no real sem o Homem se aperceber.
Tudo se tornou imagem/espectáculo e o Homem é um ser vulnerável que não consegue distinguir a imagem do real. Ora mas por que motivo este capítulo chama-se separação acabada? Deixou de haver uma separação entre a ilusão e a nossa vida: real. No Cristianismo existia o aqui e o além. Na sociedade do espectáculo tudo existe num espaço e num tempo único.
Existe uma máquina (o próprio espectáculo) que produz o espectáculo. De certa forma o espectáculo alimenta-se de si próprio. As imagens constituem-se como relações sociais entre as pessoas e a experiência social deixa de ter sentido. No presente, o real é determinado pelo espectáculo que estabelece a forma de produção e de consumo. Assim, o Homem deixou de ter controlo sobre o espectáculo e sobre a sua vida. A única forma de acabar com o espectáculo seria matar-se pois só sem o seu consumidor o espectáculo morreria. A passividade moderna, por esta razão inconsciente, é enorme. Hoje a sociedade vive com um monstro das aparências indestrutível: "Ele é o sol que não tem poente, no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do mundo e banha-se indefinidamente na sua própria glória." Existe uma interdependência entre Homem e espectáculo. Daí a expressão: "o que aparece é bom, o que é bom aparece."
O Homem deixa de poder dizer não. Este texto caracteriza-se pelo facto de o autor, para o ter escrito, ter tido de se colocar numa perspectiva niilista para conseguir compreender de forma original o todo social que o rodeava. Num pequeno texto, Debord consegue extravasar uma mundivisão autêntica. Criticando-a também, pois o Homem "quanto mais contempla, menos vive" e além disso chama-lhe um "produto da sua racionalidade." O que aparece pode não ser bom, e o que é bom pode não aparecer, no entanto, no mundo da ilusão e das aparências acreditar que nem tudo o que aparece é bom pode-nos levar a um vazio. Por isso escreve Debord: "À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O espectáculo é o mau sonho da sociedade acorrentada, que finalmente não exprime senão o seu desejo de dormir. O espectáculo é o guardião deste sonho."
(sobre o texto "A Separação Acabada" no Livro A sociedade do Espectáculo escrito por Guy Debord)