A banalização formal da democracia apagou-lhe o fulgor da paixão e da consciência cívica, quando ela precisa de ser vivida como uma conquista e um bem inestimáveis e pelos quais temos de lutar em permanência. Basta olharmos à nossa volta e verificarmos o que se passa nalgumas áreas cruciais da sociedade portuguesa – desde a Justiça aos media, passando pelo universo político ou pela forma como se exprimem as expectativas dos cidadãos – para constatarmos uma perversão das referências democráticas que inspiraram o 25 de Abril. Não somos decerto ameaçados pelo regresso a um salazarismo definitivamente defunto. Mas podemos pôr em risco, com a nossa indiferença e o nosso relativismo moral, os alicerces dos direitos, liberdades e garantias que a nossa Constituição prescreve. Durante o salazarismo as coisas eram basicamente a preto e branco; hoje tendem a tornar-se cinzentas e brumosas. Antes sabíamos o que não queríamos; hoje arriscamo-nos a não saber o que queremos – e acabarmos perdidos no nevoeiro
Diário Económico
/ 20031003