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Banda Sonora para um Regresso a Casa

por: Joel Neto
Portugal
n. 3 Mar 1974
Escritor / Cronista

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26 Citações

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Um bigode é muito mais do que uma pilosidade: é uma metafísica. Vem acompanhado de conversas sobre a necessidade de estudar para ser alguém na vida, a utilidade de amortizar o crédito à habitação, a urgência de substituir as velas do carro, a saudade de quando o fado era o fado, a rádio era a rádio e a Amália Rodrigues cantava o fado na rádio, tanto na Emissora Nacional como na Voz de Lisboa.
O problema resulta estrutural para a música popular portuguesa contemporânea: as letras são hoje meros alinhamentos métricos para preencher os espaços sonoros vazios. É carregar pela boca – e, para quem é, bacalhau basta.
Todos os dias me rio um bocado. Se o humor é uma visão do mundo, mais do que um estado de espírito, então é isso que eu quero ter: uma visão do mundo. E rio-me. Rio-me das idiossincrasias de um empregado de café e da mímica de um palhaço na televisão. Rio-me de uma história plena de agudeza ou apenas de uma torneira que pinga. Rio-me - rio-me muito.
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Eu presto mais respeito a quem escreve um livro, qualquer que ele seja, do que a quem de repente se julga importante por não fazer absolutamente nada.
Dizia D. H. Lawrence que a pornografia é "a tentativa de insultar o sexo" - e eu não estou de acordo. A pornografia é, antes, a aceitação da desesperança sem cair no desespero, atitude que sobre todas as outras me parece adequada aos tempos.
Colecção de perplexidades e obsessões, cada crónica de jornal é, no essencial, um fragmento da biografia do seu autor.
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Se alguém tende a sacralizar a cultura popular, é por uma razão muito simples: porque não tem pernas para a cultura erudita.
Uma mulher sexy será sempre uma mulher sexy, mesmo que vestida de esquimó - e uma mulher a fingir que é sexy será sempre uma mulher a fingir que é sexy, mesmo que (ou sobretudo se) vestida com sapatos altos, meias de renda e mais nada.
"Mulher solteira e feliz" é uma contradição de termos tão grande como "homem solteiro e feliz". Chamem-me nomes, se quiserem - até este dia em que vos escrevo, não encontrei um só caso que contradissesse essa ideia, por muito que homens e mulheres solteiros me rodeassem de manifestações de autoconfiança, verdades absolutas sobre o conhecimento interior e provas iniludíveis da mais autêntica e inabalável felicidade a um.
A vida já é um buraco de agulha tão estreitinho, e as suas obrigações, camelos tão gordos e abastecidos, que passar três quartos do ano a magicar numa distinção maniqueísta entre mulheres decentes e galdérias perniciosas, entre cãezinhos de rua e príncipes encantados, é matemática tão intricada como a dos fanatismos religiosos, políticos ou mesmo clubísticos: passamos uma vida inteira a identificar bons e maus – e, quando finalmente percebemos a soma zero do problema, já estamos com a pele encarquilhada e a tomar comprimidos para a tensão arterial.
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