Correspondência

por: Florbela Espanca
Portugal
8 Dez 1894 // 8 Dez 1930
Poetisa

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104 Citações

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Tenho que aprender o que ainda não sei: a ser humilde e modesta. Perdoe sempre o meu ridículo orgulho de pobre soberba; mas o orgulho tem sido a minha suprema defesa, tem sido o meu amparo e a minha força. Devo-lhe tantos e tão bons serviços!
Eu não sou muito má, mas, em compensação, sou extraordinariamente orgulhosa, e de todos os meus imensos defeitos é esse que eu mesma mais tenho combatido em vão.
A ociosidade é a mãe da maledicência, da calúnia e da intriga, coisas a que eu já não sei se hei-de chamar vícios se virtudes, tão habituada estou a vê-los morar em lábios tidos como santos por este mundo que é com certeza o melhor dos mundos possíveis e imagináveis.
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A poesia não comporta gralhas como a prosa, que às vezes até fica melhor... É coisa tão delicada que só vive de ritmo e de harmonia. Quase dispensa as ideias. Quem lhe tocar, assassina-a sem piedade.
Entusiasmo-me às vezes, mas dura pouco o entusiasmo; isto enquanto a sensações e pensamentos, porque com os sentimentos é o contrário, infelizmente para mim. Tenho o pouco juízo e a patetice de ser constante; não é isso uma desgraça?
Lembra-te que o tempo tudo consome. E se assim não fosse, o que seria a nossa vida!? Um ermo cemitério em que cada cruz representaria um morto sempre vivo! Completamente impossível! Se o tempo consome o corpo dos que morrem, como não consumir a lembrança deles? E se assim não fosse, que vida seria a nossa!? Deus, dando-nos a dor, deu-nos também o esquecimento...
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Se eu tivesse saúde e dinheiro e andasse, como elas andam, a aparecer em toda a parte e a receber em suas casas toda a gente de influência nos jornais, já falavam de mim porque isto é assim: quem não aparece, esquece.
Não quero criar em volta do meu trabalho a mais leve sombra de escravidão. Conheço-me; nunca mais faria nada de jeito.
O meu talento!... De que me tem servido? Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequenina esmola do destino.
Em tudo eu vejo sempre os antecedentes, as consequências, as razões e as causas: sou como as crianças que desmancham o brinquedo que as entretém só pelo prazer de saber o que está dentro. Apesar do meu tradicional horror às ciências positivas, eu tenho uma grande dose de positivismo e a ciência a que na vida ligo maior importância é a matemática.
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