Último Volume

por: Miguel Esteves Cardoso
Portugal
n. 25 Jul 1955
Crítico/Escritor/Jornalista

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46 Citações

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Estar bem disposto é usar o sentido de humor que Deus nos deu, é ter as narinas abertas, é estar disposto a achar graça no que não deveria ter graça nenhuma.
Deus existe porque o homem sozinho não consegue existir. Morre. Vive um bocadinho, faz umas coisas e depois morre. Deus existe porque a Arte não é suficiente. Deus existe porque o Amor não chega. Deus existe porque o homem sozinho é pior. É mais mau. É mais triste. É mais só.
Não se pode ser nem mole nem inconstante nas amizades e inimizades. É preciso ser-se sincero e malcriado. É preciso dizer-se «Eu não gosto de si». É preciso dizer-se «Você é um verme». Os inimigos são mais fáceis de criar que os amigos e às vezes são mais úteis e dão-nos maior satisfação.
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Se Portugal teve valor na história do mundo, não foi no esforço da uniformização, igual a tantos outros. Não foi na imposição de uma língua, de uma religião, de uma raça. A glória do império português não foi o facto de ter sido português contra as nacionalidades que subjugou. Foi ter sido capaz de ser português sem deixar de ser outras coisas. No máximo, foi ter sido português por ter sido tudo menos português. Ou quase tudo.
As pessoas podem fazer o que quiserem, mas ninguém liga ao que elas fazem. Para os portugueses só interessa a cara que têm. Pode ser-se arquitecto mas se calha ter «cara de quem nunca fez um desenho na vida» está lixado. Pode nunca ter provado uma pinga de vinho na vida mas se alguém afirma que é alcoólico e há outro que diz «Tem cara disso...» pode considerar-se bêbado para todos os efeitos. Pode ser a pessoa mais amistosa e gregária do mundo, mas se tem «cara de pouco amigos» toda a gente foge dele.
Deve-se ter o mínimo de respeito pelo sofrimento e sofrer-se sozinho. Os portugueses não são capazes. Exibem as más-disposições de uma maneira assustadora. Se andam de trombas, andam trombudos pela rua. Não disfarçam. Deviam disfarçar. Usar capote como o «Elephant Man». Mesmo quando estão indispostos sem saber bem porquê, anunciam «Não sei o que tenho, mas não tenho andado nada bem...».
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A confusão define a nossa vida, o nosso dia a dia, a nossa noite a noite. Nunca se sabe onde se vai, em que carro é que se vai chegar a casa, quem vai pagar as bebidas, como é que vai ser para acordar amanhã de manhã. Por muito que se combine, que se planeie, que se organize, é sempre a grande confusão.
As qualidades dos portugueses atingem um máximo de eficácia em situações de confusão. Os nossos talentos, para o desenrascanço, para o improviso, para a invenção, pura e simplesmente só se exercem com proveito absoluto quando impera a confusão. Na nossa história vemos que foi só nas épocas de grande confusão e confusionismo que demos conta do recado. De resto não.
A essência da vida está fora de nós. Está nos outros todos juntos, sem lugar, sem tempo, sem saber como. A única coisa que temos é o amor.
Os outros são a nossa única justificação possível. Segui-los e servi-los, por questões de sabedoria e sentimento, é a nossa mais maravilhosa oportunidade.
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