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Pedro Chagas Freitas

Portugal
n. 25 Set 1979
Escritor

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A Grande Vantagem da Vida

- A grande vantagem da vida é ensinar-nos outra vez a chorar. A vida infantiliza. Fica-se maior no que nos faz ser mais pequenos. Cresce-se fora o que se vai perdendo por dentro. Passamos a infância a querer crescer, a adolescência a querer crescer. E depois percebemos que só quer crescer quem ainda se sente pequeno. Um adulto sente-se pequeno mas pensa ao contrário. Sente-se pequeno e quer ficar mais pequeno. Voltar ao tempo em que havia sonhos.
– Onde se perdem os sonhos?
– Todos os sonhos se perdem. Mesmo aqueles que vais ganhar, e vais ganhar muitos, se vão perder. Porque já deixaram de ser sonhos. Sonhaste aquilo, tiveste aquilo. E acabou. Lá se foi o sonho. O segredo é conseguir gerar novos sonhos. Sonhos que consigam ocupar o espaço em branco deixado pelo sonho perdido.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Queria ser como tu.
– E eu queria ser como tu. Queria olhar para a frente e ver que o caminho não acaba, o caminho a perder de vista.
– O teu não se perde de vista?
– O meu faz-me perder a vista. Todos os dias vejo menos. E todos os dias vejo melhor para trás. Crescer é a cada dia que passa ver melhor para trás e começar a perder a vista para a frente. Crescer é uma doença dos olhos. Vais ficando menos e menos capaz de ver o que está diante de ti. E mais e mais capaz de ver o que está atrás de ti. Como se andasses de costas.
      – Envelhecer é andar de costas?
– Sim. Caminhas na direcção contrária à daquilo que olhas. Andas para a frente e só sonhas para trás.
– Sonhar para trás é perigoso?
– Sonhar para trás mata. Há que ser criança. Há que olhar para uma ruga como se olha para um Action Man ou para uma Barbie. Tirá-la da caixa, ficar fascinada com ela, explorá-la, perceber que é apenas pele dobrada: fascinante pele dobrada. Aprender a envelhecer é aprender a brincar. Ser velho é aprender tudo outra vez. O mundo mudou quando tu mudaste. O mundo envelheceu quando tu envelheceste. O que antes era uma banalidade é agora uma impossibilidade. Queres jogar futebol e não consegues, queres dançar toda a noite e não consegues. E a tua vida é muitas horas do teu dia isso: queres e não consegues. O mundo mudou para ti. Tens de aprender tudo de novo. O que fazer, como fazer. Tens de te inventar para não seres dizimado. Não há momento mais triste do que aquele em que desejas algo e o corpo te impede de teres algo. O corpo é um cabrão. Tapa agora os ouvidos, por favor.
– Já tapei.
– Então ouve com atenção: o corpo é um filho da puta. Nunca lhe ligues. Se o corpo te der ordens, manda-o bugiar. O corpo só serve para te oferecer falsas ilusões. Faz-te crer que podes tudo, alimenta-te de sensações. E depois vai-tas tirando. Uma a uma, devagar, para doer mais. Só tens de ser capaz de descobrir novas sensações.
– Como uma criança?
– Como uma criança. Uma criança que por menos brinquedos que tenha vai sempre ter todos os brinquedos do mundo. Uma criança que faz de um par de meias um avião, de um osso de frango a Torre Eiffel, de uma camisola rasgada um equipamento de futebol. Envelhecer é fazer de um corpo incapaz de ter as sensações esperadas um parque de diversões por explorar.
– Tenho de ir. A minha professora já chamou.
– Vai. Aprende. Mas não demasiado. Saber demais dá para o torto. Limita-te às ilusões.
– Gosto de ti.
– E eu de ti. Isso é o que nunca podes perder. A capacidade de te gostares.
– Um dia vou ser grande.
– Um dia vais ser pequeno outra vez. Prometo.

Pedro Chagas Freitas, in 'Prometo Falhar'




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