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Eça de Queirós

Portugal
25 Nov 1845 // 16 Ago 1900
Escritor

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A Curiosidade

A curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar às portas e por outro a descobrir a América: — mas estes dois impulsos, tão diferentes em dignidade e resultados, brotam ambos de um fundo intrinsecamente precioso, a actividade do espírito. Um espírito indolente não se arremessa com magnificência para os mares desconhecidos: também não se arrasta mesquinhamente para as fendas das portas: imóvel, como uma árvore sobre as raízes, ondula e rumoreja, dá a sua folha ou o seu fruto, derrama a sua curta sombra sobre o seu curto chão, e na mesma imobilidade, direito sobre as raízes, murcha, caduca e perece. O espírito porém que incita o homem a deixar a quietação do banco do seu jardim, a trepar a um muro escorregadio, a espreitar o jardim vizinho, possui já uma estimável força de vivacidade indagadora: — e a tendência que o moveu é essencialmente idêntica à tendência que, noutro tempo, levara outro homem a subir às rochas de Sagres, para contemplar, com sublime ansiedade, as neblinas atlânticas. Ambos são dois espíritos muito activos, almejando por conhecer o mundo e a vida que se estendem para além do seu horizonte e do seu muro. O valor tão violentamente discordante das obras dependerá apenas do quilate dos dois espíritos, e das condições em que se exerçam, largas aqui com toda a largueza da omnipotência, mais estreitas além do que a choça de um servo. Um, nascido com aladas aspirações de conquista e de fé, trabalhando sobre as energias novas de um povo forte, revelará aos homens o segredo da Terra: — o outro, de índole peca, enlevado na importância da comadre e da couve, não cessará de esfolar os joelhos, no esforço de trepar aos muros para espiolhar as vidas e as couves alheias. Depois um, ao acompanhamento das liras épicas, penetra na imortalidade: o outro não passa do canto do muro, onde certamente o apedrejarão. Mas ambos eles, o criador de civilização e o criador de escândalo, obedeceram à mesma energia íntima de iniciativa descobridora. São dois espíritos governados pela curiosidade, a vil curiosidade, como lhe chama Byron, com romântica ignorância,... E de resto, sem essa qualidade vil, nunca o primitivo Adão teria emergido da caverna primitiva, e todos nós, mesmo o curiosíssimo Byron, permaneceríamos, através dos tempos, solitários e horrendos trogloditas.

Eça de Queirós, in 'Notas Contemporâneas'




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