Miguel Esteves Cardoso

Portugal
n. 25 Jul 1955
Crítico/Escritor/Jornalista

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Mãe Minha

Esta é a parte de viver sem pai e sem mãe que ninguém diz. Além de mim, vivo com alguém sem pai e sem mãe, a Maria João. Não tem pai nem mãe. Já teve mas morreram. Eu também já tive e morreram. Enquanto foram vivos tiveram o trabalho constante de nos amar. O amor é uma preocupação, uma maneira inevitável de estar ocupado.

Talvez o meu pai tenha amado a minha mãe mais do que me amava a mim. Uso a minha inteligência, como ele tantas vezes me recomendou, para chegar a essa conclusão.

Não sendo eu estúpido, não uso a minha inteligência para acusar o meu pai, de quem eu tanto gosto (e gostei), de me ter falhado nalgum aspecto. Tratou-me sempre bem. Ensinou-me muita coisa.

O que eu depreendo, neste mês de Setembro em que a minha mãe Diana nasceu, é a sorte que eu tive de ser amado por ela.

Ela ensinou-me o que é ser amado. É trabalho, preocupação, chatice. É uma obsessão. É querer saber se a pessoa amada tem frio, tem fome, se está feliz.

A minha mãe Diana morreu a achar que eu achava graça àquilo que ela disse, quando chegou aos 90 anos, que as mães prometem muito mas ultimamente desiludem.

Porque morrem. Que sinal mais flagrante pode haver de falta de amor? Desistem. Sucumbem. Deixam-se ir. Só as mães que nos amam nos avisam dessa falta de amor que é morrer.

Anos depois de ter morrido a minha mãe, só um segundo antes de eu ter acordado, percebo e aceito a sorte de ter sido amado por uma pessoa de quem eu gostava tanto mas muito menos do que deveria ter amado.

Amo-te, minha mãe. Obrigado por me teres amado.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (4 Set 2019)'




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