O que Junta as Pessoas
O mais doloroso nem é saber que levas outra pessoa para a cama. Estou-me, se queres que te diga, realmente nas tintas para isso. O mais doloroso é saber que tens outros ombros para pousar a cabeça: o mais doloroso é saber que há agora outra pessoa a ver-te chorar. A intimidade maior é a das lágrimas. É no interior da fragilidade que a ligação acontece. E agora há outra pessoa que chora contigo, outra pessoa que vê as tuas insuficiências, outra pessoa que tenta ocupar os espaços vazios do que não consegues ser.
O que junta as pessoas é o que não se consegue ser: o que ficamos sempre aquém de ser.
Fomos felizes tantas vezes. Brincámos, inventámos, rimo-nos que nem malucos horas a fio. E amámo-nos. Amámo-nos tanto. Em todos os lugares, de todas as maneiras. A recusar os limites e sempre sem nunca os ultrapassar.
O que junta as pessoas é recusar os limites juntos e ainda assim nunca os ultrapassar.
Fomos felizes tantas vezes, já te disse. E no entanto quando olho para trás entendo com nitidez que o que mais fica, o que mais nos fica, é a dificuldade e o que fizemos com ela. E foi aí, quando algo faltava, que nunca nos faltou nada. Quando dói o que não se consegue é só o amor que consegue.
O que junta as pessoas é aquilo que se consegue quando dói o que não se consegue.
Amar é também uma questão de confiança: da confiança que nos dá. Alguém que se sente amado, verdadeiramente amado, é alguém indestrutível. Sente em si uma força imparável, um herói por dentro de si. Contigo nada temia, contigo tudo era ultrapassável. Até que chegou a preguiça.
O que junta as pessoas é conseguir reagir quando chega a preguiça.
Fomos desaparecendo. Cada vez mais confortáveis e cada vez mais distantes. O conforto afasta, repele: integra. E o amor não é para ser integrado. O amor é longe: tem de ser longe para aproximar quem se ama. Para ser algo sempre externo que nos preenche por todos os lados. Um amor integrado é um amor acabado: um meio-amor, um semi-amor, um amor levezinho. O amor pode ser muita coisa mas nunca levezinho. O amor é da pesada e é por isso que muito poucos são capazes de o suportar durante uma vida inteira. Nem nós. E agora és de outra pessoa e eu não sou de ninguém. Talvez um dia consiga voltar a dormir com alguém, voltar a entregar o meu corpo a alguém. Mas as minhas lágrimas dificilmente deixarão de ser tuas.
Pedro Chagas Freitas, in 'Prometo Perder'