O Ser entre o Interior e o Exterior
Era um tipo estranho. Digo bem «um tipo». Olho um homem, uma mulher, e nem sempre me é possÃvel tentar sequer abordar-lhe a pessoa por dentro. Porque há indivÃduos que irresistivelmente reduzimos a «objectos». São os indivÃduos «caracterÃsticos» com tiques, com uma aparência de traços nÃtidos. Compreendo a tentação da caricatura: a um olhar sem mistério, os homens são a caricatura do homem. Por isso o romance tem ignorado a outra zona. Ah, escrever um romance que se gerasse nesse ar rarefeito de nós próprios, no alarme da nossa própria pessoa, na zona incrÃvel do sobressalto! Atingir não bem o que se é «por dentro», a «psicologia», o modo Ãntimo de se ser, mas a outra parte, a que está antes dessa, a pessoa viva, a pessoa absoluta. Um romance que ainda não há... Porque há só ainda romances de coisas - coisas vistas por fora ou coisas vistas por dentro. Um romance que se fixasse nessa iluminação viva de nós, nessa dimensão ofuscante do halo de nós...
VergÃlio Ferreira, in 'Estrela Polar'