O Universal Opõe-se a Qualquer Época
É admissÃvel que o génio não seja apreciado na sua época porque a ela se opõe; mas pode-se perguntar por que razão é apreciado nas épocas vindouras. O universal opõe-se a qualquer época, pois as caracterÃsticas desta são necessariamente particulares; porque será então que o génio, que se ocupa de valores universais e permanentes, é mais favoravelmente recebido por uma época do que por outra?
A razão é simples. Cada época resulta da crÃtica da época precedente e dos princÃpios subjacentes à vida civilizacional da mesma. Enquanto que um só princÃpio está subjacente, ou parece estar subjacente, a cada época, as crÃticas desse princÃpio único são variadas, tendo apenas em comum o facto de se ocuparem da mesma coisa. Ao opor-se à sua época, o homem de génio critica-a implicitamente, integrando-se implicitamente numa ou noutra das correntes crÃticas da época seguinte.
Ele próprio pode produzir uma ou outra dessas correntes, como Wordsworth; pode não produzir nenhuma, como Blake, e contudo viver de acordo com uma atitude paralela à sua, surgida naquela época sem ser por um discipulado propriamente dito.
Quanto mais universal é o génio, mais facilmente será aceite pela época imediatamente a seguir, pois mais profunda será a crÃtica implÃcita da sua própria época. Quanto menos universal for, na sua universalidade substancial, mais difÃcil será o seu caminho, a menos que lhe aconteça coincidir com o sentido de uma das principais correntes crÃticas da época seguinte.
Fernando Pessoa, in 'Heróstato'