O Vício do Exagero
Hoje, no café, aqui-del-rei que eu exagero, aqui-del-rei que conto uma anedota e a anedota sai da minha boca transfigurada. Aqui-del-rei que descrevo um indivíduo e ponho bigodes de polícia onde havia somente uma discreta penugem. É certo, exagero. Começo a pintar um botão, e é capaz de me sair o cosmos. Mas pergunto: — Pondo como condição que não haja mentira em absoluto no que diz, quem é mais de aqui-del-rei: quem acrescenta, enriquece, aumenta e vivifica as coisas, ou quem as diminui, amesquinha, empobrece, achata e reduz a nada?
Miguel Torga, in "Diário (1933)"