Prejudicar a Estupidez
A reprovação do egoÃsmo, que se pregou com tamanha convicção casmurra, prejudicou certamente, no conjunto, esse sentimento (em benefÃcio, hei-de repeti-lo milhares e milhares de vezes, dos instintos gregários do homem), e prejudicou-o, nomeadamente no facto de o ter despojado da sua boa consciência e de lhe ter ordenado a procurar em si próprio a verdadeira fonte de todos os males. «O teu egoÃsmo é a maldição da tua vida», eis o que se pregou durante milénios: esta crença, como eu ia dizendo, fez mal ao egoÃsmo; tirou-lhe muito espÃrito, serenidade, engenhosidade e beleza; bestializou-o, tornou-o feio, envenenado.
Os filósofos antigos indicavam, ao contrário, uma fonte completamente diferente para o mar; os pensadores não cessaram de pregar desde Sócrates: «É a vossa irreflexão, são a vossa estupidez, o vosso hábito de vegetar obedecendo à regra e de vos subordinar ao juÃzo do próximo, que vos impedem tão amiudadamente de serdes felizes; somos nós, pensadores, que o somos mais, porque pensamos». Não nos perguntemos aqui se este sermão contra a estupidez tem mais fundamentos do que o sermão contra o egoÃsmo; o que é certo é que despojou a estupidez da sua boa consciência: estes filósofos foram prejudiciais à estupidez!
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"