Amor Sem Palavras
Desenvolvi a convicção de que o amor não se pode desenvolver senão sobre a base de uma certa diferença, que o semelhante não se apaixona nunca pelo semelhante, mesmo se na prática inúmeras diferenças possam funcionar: uma diferença grande de idade, como se sabe, pode dar lugar a paixões de violência extraordinária; a diferença racial continua a ser eficaz, e mesmo a diferença nacional e linguística não é de desdenhar. Não é bom que os amantes falem a mesma língua, não é bom que possam realmente compreender-se um ao outro, que possam trocar palavras, porque a palavra tem como vocação criar, não amor, mas divisão e ódio, a palavra separa assim que é formulada, enquanto uma informe tagarelice amorosa, semilinguística, falar com a namorada ou namorado como se fala com o cão lá de casa, cria as condições para um amor incondicional e duradouro. Se ao menos nos pudéssemos limitar aos assuntos imediatos e concretos — onde estão as chaves da garagem? a que horas passa o electricista? —, a coisa ainda podia funcionar, mas, para lá disso, começa o reino da desunião, do desamor e do divórcio.
Michel Houellebecq, in 'Serotonina'