Há uma noção de abismo que é imanente a toda a experiência humana. A Terra é uma bola suspensa no espaço segundo um equilÃbrio que não dominamos. E eu sei que há abismo também na poesia. Mas esta muitas vezes funciona como esconjuro do mal e da sombra e tem uma dimensão catártica que talvez seja o que faz com que o medo não me assalte do mesmo modo. Com a prosa, surge uma dúvida dentro de nós. Não sabemos nunca se estamos a esconjurar, se a convocar. É uma espécie de jogo muito estranho. Porque há esta diferença, não sei bem. Mas é o que se passa comigo. A poesia e a prosa são duas navegações diferentes.
Entrevista ao JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, 5 a 11 de Fevereiro, 1985