Pedro Rolo Duarte

Portugal
16 Mai 1964 // 24 Nov 2017
Jornalista / Editor

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Amigos

Amigos… São aqueles que sabem sorrir depois de muitos anos de ausência. Os que se comovem com um abraço forte e chegado. Os que sabem ler no silêncio as palavras que nos faltaram. Cujos nomes não esquecemos nem precisamos de lembrar. São os que queríamos ao pé de nós naquele momento que eles não poderiam adivinhar. Os que estão sempre.
São os que citamos. Cujas histórias recordamos com gosto e prolongadamente. Os que nos fazem lembrar.
São aqueles de quem nos lembramos numa paisagem que se reconhece, num cheiro, numa cor que nos diz respeito. Os que aparecem repentinamente e nos surpreendem.

Amigos. Aqueles com quem quero agora partilhar estas canções. Aqueles que queria aqui bem perto. Os que encontro nos bastidores e me fazem voltar anos e anos atrás.
São os olhares que não mudaram, as palavras e risos que perdemos de vista e do ouvido e, imediatamente, nos soam e são familiares.
Os que dizem a palavra que ficou debaixo da língua.
Os que percebem a palavra sem que a digamos.
São os que não têm medo de olhar, mesmo quando olhar custa porque o tempo passa e estamos todos mais velhos.
São os que descem juntos ao “abismo do vertiginoso futuro”. Os que não cobram nem pagam.

Os que mantêm a conta-corrente em aberto. Os que sabem que a soma das partes não faz um todo, mas que não deixam de entender que no todo estão partes de cada um de nós.
E a conta-corrente volta a preencher-se, linha a linha, de sentimentos e ideias.
A contabilidade acusa os anos, mas não se ressente da idade. Conta-se pelos dedos das mãos, vagarosamente, e a soma é imprecisa, um rascunho do tempo, uma estrela-cadente, um compasso. Passam os anos e regressamos sempre.
Há reencontros que nos parecem óbvios, ainda que inesperados, e outros que nos apanham de surpresa, mesmo que improvisados num degrau dos dias.

Amigos. São assim. São os que sei que vou ver no próximo concerto, na próxima paragem, na próxima estação.
Os que acabam por parar sempre nos lugares onde inevitavelmente paro. Os que abrandam, não vá a gente estar por ali.
Os que apitam, assobiam, telefonam, chamam, gritam. Cujas vozes andam connosco para todo o lado, como grilos nas noites de Verão, e a elas recorremos quando de uma voz precisamos, quando daquela voz precisamos.
São os que nunca morrem. Os que ficam porque dos nossos também são. São de quem nos lembramos quando ouvimos uma canção.
Os que fazem o coração dar voltas sobre si próprio de saudade e remorso e ausência sem ter fim.

São os que merecem o ponto de exclamação no final de um sonoro “que falta que me faz”. E a falta, por mais falta que seja, nunca nos falta quando é deles que falamos. Porque neste “balanço de perdas e danos” o melhor é sabermos que existem e pensam em nós como nós pensamos neles.
Um dia vamos chorar porque queríamos mais e mais tempo não chegou – mas entretanto, inevitavelmente, vamos achando que o tempo não faltará. Porque eles também não faltam.

São os que nos ajudam, os que ainda sabem quem somos e do que somos capazes. Os que nos recordam quem somos.
Aqueles em quem nos revemos, nem que seja por instantes, nem que seja por conta de um instante que já passou. Aqueles cuja palavra é exacta.
Um “sim” quer dizer mesmo “sim”, um “não” é a perfeita negação, a recusa, a rejeição.
Na exactidão, eles são o pior e o melhor de nós.
Penso neles quando regresso ao meu melhor passado e sinto que o tempo não me afastou. Nem eu dele.
Como dos amigos. E eu deles.

Pedro Rolo Duarte, in 'Não Respires'




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