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Baruch Von Espinoza

Holanda
24 Nov 1632 // 21 Fev 1677
Filósofo

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Bem Supremo e Razão

Quando a experiência me ensinou que os acontecimentos ordinários da vida são fúteis e vãos e me apercebi de que tudo que era para mim causa ou objecto de receio não tem em si mesmo nada de bom ou de mau, a não ser na medida da comoção que excita na alma, resolvi, finalmente, indagar se existia um bem verdadeiro e susceptível de se comunicar, qualquer coisa enfim cuja descoberta e posse me trouxessem para sempre um júbilo continuo e soberano.
(…) O que nos ocupa mais frequentemente na vida e que os homens, como pode concluir-se dos seus actos, consideram ser o bem supremo pode reduzir-se a três coisas: riqueza, fama, prazer dos sentidos.
Ora cada um deles distrai o espírito de tal modo que mal pode pensar noutro bem. (…)
- Pelo prazer sensual se detém a alma como se repousasse num bem verdadeiro, o que a impede em absoluto de pensar noutra coisa; após o prazer vem a extrema tristeza, que, se não suspende o pensamento, perturba e embota. A busca da fama e da riqueza não absorve menos o espírito, sobretudo quando a riqueza é desejada por si mesma, conferindo-lhe, então, a categoria de bem supremo.
- Mas a fama absorve o espírito de maneira muito mais exclusiva ainda: porque sempre é considerada como bem em si mesma e como fim derradeiro para que tudo converge. Além disso, a fama e a riqueza não contêm em si próprias o castigo como o prazer; ao contrário, quanto mais se tem uma ou outra, mais cresce a alegria experimentada. De onde a consequência de sermos cada vez mais incitados a acrescentá-las. Se, pelo contrário, em alguma ocasião somos iludidos na nossa esperança, ficamos profundamente tristes. A fama, por derradeiro, é ainda grande estorvo, porque para a alcançar temos de orientar necessariamente a vida em conformidade com a maneira de ver dos homens, quer dizer, evitar o que eles comummente evitam e buscar o que eles buscam. (…)
- Limitar-me-ei a dizer aqui brevemente o que entendo por um verdadeiro bem e também o que é o bem supremo. Para o entender com rectidão, devemos notar que bom e mau se dizem num sentido puramente relativo. A ponto de uma só e mesma coisa ser tida por boa ou má segundo os aspectos que consideramos; o mesmo sucede com o perfeito e o imperfeito. Coisa alguma, efectivamente, pode ser dita de natureza perfeita ou imperfeita. Sobretudo quando se perceba que tudo quanto acontece se produz de acordo com uma ordem eterna e com leis determinadas da natureza. (…)
- Entretanto, como o homem, na sua fraqueza, não abarca essa ordem pelo pensamento e concebe alguma natureza humana muito superior à sua, e, ao mesmo tempo, não vê impedimento na aquisição de uma semelhante, é levado a procurar meios que o conduzam a essa perfeição: tudo o que servir de meio a lá chegar é denominado verdadeiro bem. E o supremo bem consiste em chegar a fruir, com outros indivíduos se possível, dessa natureza superior. O que é essa natureza, havemos de vê-lo a seu tempo: é o conhecimento da união do espírito com a natureza inteira.
Tal é, pois, o fim a que tendo: alcançar essa natureza superior e fazer quanto puder para que outros a alcancem comigo; porque é ainda uma parte da minha felicidade trabalhar para que muitos conheçam claramente o que é claro para mim, de maneira que o seu entendimento e o seu desejo se harmonizem plenamente com o meu próprio entendimento e o meu próprio desejo. Para lograr esse fim é necessário ter da natureza um conhecimento que baste à aquisição dessa tal natureza humana e, também, formar uma sociedade apropriada a que o maior número possível de homens alcancem o fim tão fácil e seguramente quanto puder ser.

Baruch Espinoza, in ' Tratado da Reforma e do Entendimento '




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