Controlar o Desejo de Posse
É difÃcil, senão impossÃvel, determinar os limites dos nossos desejos razoáveis em relação à posse. Pois o conÂtentamento de cada pessoa, a esse respeito, não repousa numa quantidade absoluta, mas meramente relativa, a saÂber, na relação entre as suas pretensões e a sua posse. Por isso, esta última, considerada nela mesma, é tão vazia de senÂtido quanto o numerador de uma fração sem denominaÂdor. Um homem que nunca alimentou a aspiração a cerÂtos bens, não sente de modo algum a sua falta e está comÂpletamente satisfeito sem eles; enquanto um outro, que possui cem vezes mais do que o primeiro, sente-se infeÂliz, porque lhe falta uma só coisa à qual aspira.
A esse respeito, cada um tem um horizonte próprio daquilo que pode alcançar, e as suas pretensões vão até onde vai esse horizonte. Quando algum objecto se apresenta a ele nos limites desse horizonte, de modo que possa ter confianÂça em alcançá-lo, sente-se feliz; pelo contrário, sente-se inÂfeliz quando dificuldades advindas o privam de semeÂlhante perspectiva. Aquilo que reside além desse horiÂzonte não faz efeito sobre ele. Eis por que as grandes posses do rico não inquietam o pobre, e, por outro lado, o muito que já possui, se as intenções são malogradas, não consola o rico. A riqueza é como a água do mar: quanto mais a bebemos, mais sede sentimos. O mesmo vale para a glória. O que explica a pouca diferença entre a nossa disposição habitual e a anterior, após a perda da riqueza ou do conforto e tão logo a primeira dor é supeÂrada, é o facto de nós mesmos reduzirmos em igual exÂtensão o factor das nossas pretensões, depois de a sorte ter diminuÃdo o fator da nossa posse. Num caso de desÂgraça, essa operação é propriamente o que há de doloÂroso. Uma vez consumada essa operação, a dor torna-se cada vez menor e, por fim, deixa de ser sentida; a ferida cicatriza-se. Pelo contrário, num caso de felicidade, o comÂpressor das nossas pretensões recua, e estas dilatam-se. Nisso reside a alegria, que dura apenas até o momento em que essa operação for totalmente consumada. Nós acostumamo-nos à escala ampliada das pretensões e torÂnamo-nos indiferentes à posse correspondente a elas.
Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'