Estado Frenético de Tagarelice
Assola o paÃs uma pulsão coloquial que põe toda a gente em estado frenético de tagarelice, numa multiplicação ansiosa de duos, trios, ensembles, coros. Desde os pÃncaros de Castro Laboreiro ao Ilhéu de Monchique fervem rumorejos, conversas, vozeios, brados que abafam e escamoteiam a paciência de alguns, os vagares de muitos e o bom senso de todos. O falatório é causa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades e más-criações.
Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e décibeis, em todos os azimutes. O paÃs fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O paÃs não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar. O paÃs quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão.
(...) Telefones móveis! Soturna apoquentação! Um paÃs tagarela tem, de um momento para o outro, dez milhões de Ãncolas a querer saber onde é que os outros param, e a transmitir pensamentos à distância.
Afortunados ventos que batem todas as altitudes e pontos cardeais e levam as mais das palavras, à s vezes frases inteiras, parágrafos, grosas deleas, para as afogar no mar, embeber nos lameiros de Espanha, gelar nos confins da Sibéria, perder nas imensidades do éter. É um favor de Deus único e verdadeiro. O paÃs pereceria num sufoco, aflito de rouquidões, atafulhado de vocábulos, envenenado de sandices, se a Providência caridosa lhos não disseminasse por desatinadas paragens.
Mário de Carvalho, in "Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina"