Felizes em Casa
Não há muitas definições convincentes de felicidade. É mais fácil procurar pela palavra sorte. Sorte é aquilo que achamos querer ou, quando temos mesmo sorte, achamos ter. É feliz quem prefere ficar em casa. É feliz quem tem uma casa onde prefere ficar. É mais feliz ainda quem tem alguém com quem prefira ficar em casa. A casa até nem pode parecer grande coisa - mas é. Como pode deixar de ser grande o sÃtio no mundo aonde nunca queremos ir só para visitar ou conhecer: o único sÃtio do mundo para onde queremos sempre voltar e ficar?
«Estou aqui tão bem...» é a frase de quem é feliz, quando se aproxima a hora de se afastar, por muito necessária e temporariamente que seja. A inércia é sempre amiga do comodismo. Mas, quando a preferência arrasta os pés, como as sábias das crianças, a inércia apaixona-se por ele e nunca mais o larga, confundido, com infinda razão, o amor com o conforto.
Se há uma canção que fala dessa preferência é «Se Acaso Você Chegasse», uma das obras-primas de LupicÃnio Rodrigues. Todas as versões são muito boas, mas as minhas preferidas são as de Arrigo Bernabé e de Lúcio Alves, por mais se aproximarem da interpretação do autor. As versões da Simone, ao longo dos anos, são melhores ainda. A letra fala do «meu chatêau», que é um «barraco/À beira de um regato/E um bosque em flor». Só à superfÃcie parece uma questão de amigos apaixonados pela mesma mulher.
O que canta é o preferir ficar em casa, na nossa casa, com o nosso amor.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público' (5 Jul 2013)