O Enigma do Ser Humano
Encontramos uma pessoa que achamos interessante. Tentamos, como se costuma dizer, «situá-la». (Tenho o hábito de fazer isso até com os senhores e as senhoras que lêem as notÃcias na televisão.) Nas nossas recordações, procuramos rostos parecidos com o que temos agora diante de nós. O movimento lento das pálpebras faz lembrar um orador na Associação de Biologia, as comissuras dos lábios são iguais à s de um docente de QuÃmica em Uppsala nos anos cinquenta. Em suma, uma entoação que conhecemos ali, uma expressão do rosto que recordamos de outro lado, e imaginamos que ficámos a compreender. ReconstituÃmos o desconhecido com o auxÃlio do que conhecemos.
O psicanalista no seu consultório (nem sei se é assim que se diz, nunca fui a nenhum) faz, em princÃpio, o mesmo: associa experiências, recordações, para encontrar as chaves do novo, do desconhecido, com que se confronta.
Mas as peças que vamos buscar, os factos a que recorremos, esse molho de chaves que são os rostos antes encontrados e que fazemos tilintar na nossa mão, é, também ele, o desconhecido. Explicamos um enigma com outro enigma. É a mesma coisa que comprar um novo exemplar do mesmo jornal para confirmar uma notÃcia em que não acreditamos.
No fundo de cada pessoa há um enigma impenetrável. O negro da pupila não é mais do que essa noite sem estrelas - o negro no fundo dos olhos não é mais do que as trevas do próprio universo.
Só como enigma o ser humano assume toda a sua grandeza e transparência. Só uma antropologia mÃstica lhe pode fazer justiça.
Lars Gustafsson, in 'A Morte de um Apicultor'