O Regulador do Prazer e da Dor: o Hábito
O hábito é o grande regulador da sensibilidade; ele determina a continuidade dos nossos atos, embota o prazer e a dor e nos familiariza com as fadigas e com os mais penosos esforços. O mineiro habitua-se tão bem à sua dura existência que dela se recorda saudoso quando a idade o obriga a abandoná-la e o condena a viver ao sol. O hábito, regulador da vida habitual, é também o verdadeiro sustentáculo da vida social. Pode-se compará-lo à inércia, que se opõe, em mecânica, à s variações de movimento. A dificuldade para um povo consiste, primeiramente, em criar hábitos sociais, depois em não permanecer muito tempo neles. Quando o jugo dos hábitos pesou muito tempo num povo, ele só se liberta desse jugo por meio de revoluções violentas. O repouso na adaptação, que o hábito consiste, não se deve prolongar. Povos envelhecidos, civilizações adiantadas, indivÃduos idosos tendem a sofrer demasiado o jugo do costume, isto é, do hábito.
Seria inútil dissertar longamente sobre o seu papel, que mereceu a atenção de todos os filósofos e se tornou um dogma da sabedoria popular.
“Que são os nossos princÃpios naturais”, diz Pascal, “senão os nossos princÃpios acostumados. E nas crianças, os princÃpios que elas receberam dos costumes dos pais... Um costume diferente dará outros princÃpios naturais. O costume é uma segunda natureza, que destrói a primeira. O costume explica os nossos atos mais fortes e mais violentos; torna autômato o homem, cujo espÃrito é involuntariamente acarretado... Foi o costume que fez tantos cristãos; foi ele que fez os turcos, os pagãos, os oficiais, os soldados, etc. Enfim, cumpre recorrer a ele, quando o espÃrito consegue ver o que é a verdade... É preciso adquirir uma crença mais fácil, que é a do hábito, o qual, sem violência, sem arte, sem argumento, nos fez admitir as coisas e conduz todas as nossas forças a essa crença, de modo que a nossa alma aà naturalmente imerge. Quando só se crê pela força da convicção... não é bastante”.
A existência de um indivÃduo ou de um povo ficaria instantaneamente paralisada se, por um poder sobrenatural, ele se visse subtraÃdo à influência do hábito. É ele que diariamente nos dita o que devemos dizer, fazer e pensar.
Gustave Le Bon, in 'As Opiniões e as Crenças'