Razão afectada pelo Desejo
O homem que deseja agir de certa forma se persuadirá que, assim procedendo, alcançará algum propósito que considera bom, mesmo que não vise motivo algum para pensar dessa forma, se não tivesse tal desejo. E julgará os factos e probabilidades de maneira muito diferente daquela adoptada por um homem com desejos opostos. Como todos sabem, os jogadores estão cheios de crenças irracionais relativas a sistemas que devem, no fim, fazê-los ganhar. Os que se interessam pela polÃtica persuadem-se de que os lÃderes do seu partido jamais praticariam as patifarias cometidas pelos adversários. Os homens que gostam de administrar acham que é bom para o povo ser tratado como um rebanho de ovelhas, os que gostam do fumo dizem que acalma os nervos, e os que apreciam o álcool afirmam que aguça o tino. A parcialidade assim criada falsifica o julgamento dos homens em relação aos factos, de modo muito difÃcil de evitar.
Até mesmo um erudito artigo cientÃfico sobre os efeitos do álcool no sistema nervoso em geral trai, por sintomas internos, o facto de o autor ser ou não abstémio; em ambos os casos tende a ver os factos de maneira que justifique a sua atitude. Em polÃtica e religião tais considerações tornam-se muito importantes. A maioria dos homens acredita que, ao formar as suas opiniões polÃticas, são levados pelo desejo de bem comum; porém nove em cada dez vezes a polÃtica de um homem pode ser predita pelo seu modo de ganhar a vida. Isto tem levado muita gente a afirmar, e muitos mais a acreditar na prática, que em tais assuntos é impossÃvel ser objectivo e que não é possÃvel método algum, excepto o de uma disputa entre classes com divergentes pontos de vista.
Bertrand Russell, in 'Ensaios Cépticos: Os Homens Podem Ser Racionais?'