Correspondência

por: Florbela Espanca
Portugal
8 Dez 1894 // 8 Dez 1930
Poetisa

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104 Citações

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Tenho horror a tudo quanto de perto ou de longe se assemelha à popularidade. Abomino mesmo o meu pobre nome por não ser um nome como o de toda a gente; desta maneira, dentro do movimento literário português, sou no meu tempo, e guardadas as devidas distâncias, um Gustave Flaubert rabugento, desdenhoso das turbas e fechada em mim como num sacrário.
Todas essas belas qualidades que vaidosamente me atribuo, essas coisas lindas que descrevo, são apenas poesia, nada mais que poesia. A realidade é infinitamente menos poética. Sou frágil como um junco, magra e pálida, sem nenhuma beleza, sem nenhum encanto, e a minha célebre cabeleira de ébano - coitada da pobre! - já vai tendo mais cabelos brancos do que negros. Poesia tudo, poesia apenas.
Como eu sei pedir quando quero muito alguma coisa... Ninguém sabe dizer-me que não.
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A paciência é uma bela virtude muito da minha simpatia, se bem que pouco das minhas relações... Às vezes em 15 dias perde-se para sempre a felicidade ou pelo menos a ocasião dela.
Eu quero desaprender, quero não saber, quereria mesmo não saber ler nem escrever a minha própria língua. Eu sei lá o que queria! Não faça caso do meu mau humor de hoje: a pantera está rabugenta e tem agora, neste mesmo momento em que a noite se vai cerrando, a nostalgia das clareiras das suas florestas onde a esta mesma hora acordava, se espreguiçava, lançava o seu rugido e, de rins flexíveis, esbelta como uma onda, lá ia em busca de presa ou de amor...
Que heroínas somos nós às vezes! E que covardes!... Esmagam-nos e nós rimos; fazem-nos desgraças e nós cantamos! Mas que risos... mas que canções! Risos que são lágrimas, canções que são soluços... e os olhos húmidos são para o mundo olhos que falam de amor, e as boas contraídas são, para todos, bocas que riem às gargalhadas! E assim se escreve a história... e assim decorre a vida...
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Sou egoísta? Serei, mas como eu sou sincera! No Mundo, passo por todos, vendo alguns; na vida, esqueço-me de quase todos, esquecendo-me de mim. Quase tudo me é indiferente. Aqueles com quem lido dão-me às vezes a ideia de sombras, de fantasmas, de manequins, não me parecem iguais a mim, e tenho às vezes a impressão de que toda essa gente que passa por mim nas ruas, vai desaparecer como figurantes de mágicas.
De ti gosto muito e porque vejo em ti aquilo que nunca encontrei: a máxima lealdade com a máxima ternura, feita de verdadeiro interesse pela minha felicidade, tanto como pela tua. Impossível pedir mais a um homem que é o animal mais egoísta que pisa a terra!
Não me enleiem mais com filosofias, com arguições e com queixas. (...) Eu não sei o que é a justiça, eu não sei o que é a verdade, eu não sei o que é o amor, eu não sei nada.
Tenho tanta paciência para festas! Se me vejo na nossa casinha não acredito e parece-me que sem ti, por querer, nunca mais irei para parte alguma.
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