Diário do Último Ano

por: Florbela Espanca
Portugal
8 Dez 1894 // 8 Dez 1930
Poetisa

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18 Citações

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Tenho pela mentira um horror quase físico. Sinto-a à distância e agora... neste mesmo momento... sinto-a vaguear, asquerosa e suja, em volta da minha alma que vibra no orgulho de ser pura. Se os outros me não conhecem, eu "conheço-me", e tenho orgulho, um incomensurável orgulho em mim!
Ser doido é a única forma de possuir e a maneira de ser alguma coisa de firme neste mundo.
Os olhos do meu cão enternecem-me. Em que rosto humano, num outro mundo, vi eu já estes olhos de veludo doirado, de cantos ligeiramente macerados, com este mesmo olhar pueril e grave, entre interrogativo e ansioso?
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Viver é não saber que se vive.
A vida tem a incoerência dum sonho. E quem sabe se realmente estaremos a dormir e a sonhar e acabaremos por despertar um dia? Será a esse despertar que os católicos chamam Deus?
A minha vida! Que "gâchis"! Se eu nem mesmo sei o que quero!
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A chuva, lá fora, trauteia baixinho a sua clara e doce cantiga de Inverno, a sua eterna melodia simples que embala e apazigua. Sinto-me só. Quantas coisas lindas e tristes eu diria agora a Alguém que não existe!
E não haver gestos novos nem palavras novas!
A morte definitiva ou a morte transfiguradora? Mas que importa o que está para além? Seja o que for, será melhor que o mundo! Tudo será melhor do que esta vida!
A águia, será uma águia a valer ou simplesmente um milhafre?
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