Ele Viu a Árvore
Ele viu a árvore:
era enorme e caminhava com seus pés de raízes;
em sua copa havia ninhos onde a vida brotava
e dela desciam cobras para matar a vida.
Ele viu a árvore: ia impelida pelas forças do Espírito:
dela desciam chuvas para regar a terra,
dela saíam raios para fender o mundo.
Ele viu a árvore caminhando solta.
Nela havia frutos que continham a noite
e havia o dia encerrado noutros frutos.
Ele viu a árvore: a sua seiva era de sangue:
havia cálices de fel pelos seus ramos
e brotos de luz surgindo no seu tronco.
E dela desciam mãos distribuindo frutos
e outras mãos desciam para ceifar os homens.
Acima dela esvoaçavam pombas e milhafres;
ia impelida pelas forças do Espírito,
ora bailando como um Anjo imenso,
ora tropeçando nos montes e nos vales.
Ele viu a árvore amordaçada entre cipós e espinhos,
desgrenhada pelas ventanias,
despedaçada pelos terremotos.
Ele viu a árvore sangrenta: era um incêndio
iluminando e queimando ao mesmo tempo.
Ele viu a árvore de chamas elevando-se,
como um turíbulo sagrado, para Deus.
[Anunciação e Encontro de Mira-Celi - 44]
Jorge de Lima, in 'Poesia Completa, Rio de Janeiro, 1997'