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Pedro António Correia Garção

Portugal
13 Jun 1724 // 10 Nov 1772
Poeta

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Oh Mil Vezes Feliz

Oh mil vezes feliz o que encerrado
    Entre baixas paredes
O tormentoso Inverno alegre passa;
    Que de um pequeno campo,
Que ele mesmo cultiva, se alimenta
    Apascentando as vacas,
Que da mão paternal somente herdou
    C'os dourados novilhos.
Enquanto sobre a terra se reclina
    Dormindo descansado
Ao som das frescas águas de um regato,
    Horrorosos cuidados
O não vem perturbar no brando sono;
    A sórdida cobiça
Lhe não faz conceber vastos projectos;
    Não pensa, não intenta
Atravessar o Cabo tormentoso,
    Sofrer chuvas e ventos,
Ouvir roncar as denegridas ondas,
    E ver na feia noite
Entre nuvens a Lua ir escondendo
    O macilento rosto,
Por ir comerciar cos pardos índios
    E Chinas engenhosos.
A sede insaciável de riquezas
    Não faz que exponha a vida
Nos desertos sertões às verdes cobras,
    E aos remendados tigres.
Ah ilustre Soeiro, doce Amigo,
    O ouro de que serve,
Se os anos vão correndo tão velozes!
    Se a morte não consente,
Que a enrugada e pálida velhice
    Com passos vagarosos
Nos venha coroar de níveas cãs?
    O senhor opulento
Ao seu pobre vizinho encurte o campo
    Que alegre cultivava;
Levantando soberbos edifícios,
    Arranque as oliveiras,
O choupo que sustenta as roxas uvas,
    Para ornar seus jardins
De estéril murta, de cheirosas plantas;
    O campo, que ondeava
Com as úteis e pálidas espigas,
    Cubra de fresca sombra
Do espesso cedro, do frondoso louro;
    Alegre vá passando
No seio das delícias e regalos.
    Mas ah! que não adverte
Que as três filhas da noite, as ímpias Parcas,
    Girando os leves fusos,
Lhe acabam de fiar os curtos dias!
    Que a morte inexorável
Se chega ao rico leito em que descansa,
    Mostrando-lhe entre sombras
A macilenta mão com que lhe pega.
    Já entre mil angústias,
Entre os frios suspiros que derrama,
    Acaba a triste vida,
Que intentava gozar por longos anos.
    Só tu, filha do Céu,
Impávida Virtude, não estranhas
    O aspecto da morte.

Pedro António Correia Garção, in 'Antologia Poética'




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