Publicidade

Joaquim Maria Machado de Assis

Brasil
21 Jun 1839 // 29 Set 1908
Escritor

Publicidade

Última Folha

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
          A última harmonia.

Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chão as alvas rosas
          E as alvas margaridas.

Vês? Não é noite, não, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
          O sol resplandecente.

Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silêncio da planície,
          Como um frio sudário.

Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
          Dos teus primeiros dias.

Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
          Irás, musa celeste!

Então, nas horas solenes
Em que o místico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;

Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,
Bafeja a brisa suave
Cedros que o vento abalou;

E o rio, a árvore e o campo,
A areia, a face do mar,
Parecem, como um concerto,
Palpitar, sorrir, orar;

Então sim, alma de poeta,
Nos teus sonhos cantarás
A glória da natureza,
A ventura, o amor e a paz!

Ah! mas então será mais alto ainda;
          Lá onde a alma do vate
          Possa escutar os anjos,

E onde não chegue o vão rumor dos homens;

Lá onde, abrindo as asas ambiciosas,
Possa adejar no espaço luminoso,
Viver de luz mais viva e de ar mais puro,
          Fartar-se do infinito!

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
          A última harmonia!

Machado de Assis, in 'Crisálidas'
// Consultar versos e eventuais rimas




Publicidade

Publicidade

Publicidade

Facebook
Publicidade

Inspirações

O Tamanho da Mãe

Publicidade

© Copyright 2003-2021 Citador - Todos os direitos reservados | SOBRE O SITE