A Substância do Amor
Ela ainda o amava: «O amor é apenas o princípio do ódio.» Dizia estas coisas terríveis com uma convicção que assustava as amigas. Não, já não o amava, como o podia amar?
(Dizia isto em prantos.)
«O amor? O amor é uma vertigem. Fechamos os olhos e quando os abrimos o nosso amor quer-nos matar. O amor está para o ódio como a flor para o fruto. Há amores que não frutificam, é verdade, são amores menores. O grande amor passa. Só o ódio fica.»
Dizia isto com furor. Rasgou todas as fotografias. A seguir voltou a colá-las. Precisava de ver o rosto dele para melhor o poder odiar.
As amigas tinham a certeza: «Tu ainda o amas.» Ela encolhia os ombros: «Os corais», dizia, «são os animais mais inteligentes da criação porque se reproduzem sem que haja necessidade de qualquer contacto entre o macho e a fêmea.»
Depois Ele telefonou. Mandou-lhe flores. Ofereceu-lhe, no Natal, um vestido espantoso — e aceitou no número e na cor e Ela achou-se linda quando se viu ao espelho. «O ódio», explicou às amigas, «é uma vertigem. Fechamos os olhos e quando os abrimos o nosso ódio quer-nos beijar.»
Voltou a colocar as fotografias nas molduras. E sempre que as amigas lhe perguntavam pelos corais Ela sorria: «Não, não, os corais, pensando melhor, não devem ser uma das formas de vida mais inteligentes do planeta. Não há no mundo nada melhor do que o aconchego de um abraço.»
Teria sido um falso ódio ou seria aquilo, pelo contrário, um amor espúrio? Ela passara do pessimismo mais feroz a um otimismo à prova de bala: «O verdadeiro amor é contraditório.» Agora tinha a certeza de que seria feliz para sempre — e infeliz algumas vezes: «É preciso conhecer a noite para apreciar o dia.»
As amigas cansaram-se dos seus aforismos. Uma irritou-se: «Achas que sabes realmente tudo sobre o amor?»
Ela estava tão feliz que não se importou. Não sabia, claro, porque «todo o amor é um mistério». Mas estava feliz e a felicidade fazia-lhe bem à pele: «Deviam isolar a substância do amor e colocá-la nos cremes de beleza.» Também deixara de sentir dores de cabeça e passara a dormir melhor. Decidiu mudar-se para casa dele. Amava-o tanto que aceitou o cão dentro de casa (detestava cães). Amava-o tanto que se conformou com o facto de Ele não fazer a barba todos os dias. Foram de férias a Cuba e quando regressaram Ela descobriu que estava grávida: «Eventualmente», explicou às amigas, «os corpos dilatam com o calor.» Com isto, sim, toda a gente concordou.
José Eduardo Agualusa, in 'A Substância do Amor'