Agradar ao Vulgo é Mau Sinal
«Nunca pretendi agradar ao vulgo; daquilo que eu sei o vulgo não gosta, daquilo que o vulgo gosta não quero eu saber.» Quem é o autor? Pareces pensar que eu ignoro que pessoa é o meu discÃpulo!... É Epicuro; mas o mesmo te dirão os mestres de todas as outras escolas, peripatéticos, académicos, estóicos, cÃnicos. Como pode de facto agradar ao vulgo alguém a quem só a virtude agrada? Não se conquista o favor popular por processos limpos. Terás de igualar-te primeiro ao vulgo, que só te aprovará quando te considerar um dos seus. Ora para a tua formação a opinião que tenhas sobre ti mesmo importa muito mais do que a dos outros. A amizade de pessoas dúbias só se concilia por processos dúbios.
Em que te ajudará nisto a filosofia, essa arte excelsa que a tudo sobreleva? Precisamente em levar-te a querer agradar mais a ti do que ao vulgo, a avaliar a qualidade, e não o número, das pessoas que emitem juÃzos sobre ti, a viver sem temor dos deuses ou dos homens, a poder vencer a adversidade ou a pôr-lhe cobro. Por outro lado, se eu te vir andar famoso nas bocas do mundo, se à tua entrada, como à de histriões no palco, ressoarem vivas e palmas, se por toda a cidade mulheres e crianças te tecerem louvores, como não hei-de eu lamentar-te, sabendo como sei qual a via para se obter tal favor?
Séneca, in 'Cartas a LucÃlio'