Amigas e Conhecidos
Houve algumas ocasiões em que me disseram que sou uma boa amiga. Fiquei contente e não me atrevi a dizer que em geral tendo a não pôr, ao lado da palavra «amiga», adjectivos que remetam para uma hierarquia afectiva ou de fiabilidade. Acho-os inúteis. Nunca diria, por exemplo: é a minha melhor amiga. Teria de deduzir dessas palavras que tenho amigas das quais gosto menos, nas quais me fio pouco, outras amigas com as quais não me entendo tão bem. Mas, se o fizesse, ocorrer-me-ia perguntar-me: Porque é que me considero amiga delas? Porque é que as considero minhas amigas? O termo «amiga», perante hierarquias deste tipo, não é condizente. Talvez devêssemos considerar que uma má amiga, uma amiga que não é de confiança, uma amiga com a qual pouco nos entendemos, não é uma amiga. Talvez, para tornar ainda que dolorosamente as coisas claras, tenhamos de aprender a dizer não «uma amiga», mas «uma pessoa que frequento, que frequentei». O problema é o esforço que na vida de todos os dias implicaria tomarmos tal caminho. Termos muitas amigas conforta-nos, faz que nos sintamos populares, amadas, menos sós. Preferimos portanto chamar «amigas» a pessoas com as quais temos pouco ou nada em comum, mas com as quais na ocorrência preenchemos um vazio, passamos uma tarde no café, bebemos um copo enquanto falamos disto e daquilo. E tanto pior se depois, na primeira ocasião, as definirmos como mesquinhas, serpentes, azedas, melindrosas. A verdade é que uma amiga é tão rara como um verdadeiro amor. A palavra «amizade» em italiano tem a mesma raiz que o verbo amare [«amar»] e não é por acaso que uma relação de amizade tem a riqueza, a complexidade, as contradições, as incongruências do sentimento amoroso. Posso dizer, no que me diz respeito, e sem receio de exagerar, que o amor por uma amiga me pareceu sempre de uma natureza muito semelhante à do amor pelo homem mais importante da minha vida. Onde está a diferença? No sexo. E esta diferença não é pouca. A amizade não se vê constantemente posta em risco pelas práticas sexuais, por tudo o que há de perigoso na combinação de sentimentos elevados e de impulsos do corpo em busca de dar e dar-se prazer. É verdade que hoje, tanto quanto vejo, a amizade sexual se difunde cada vez mais. Mas trata-se de um jogo que procura conter tanto a força invasora do amor como o rito despojado do sexo. Há alguém que se conhece um pouco, em quem se tem mais confiança do que em desconhecidos, com quem se vai a um bar, a um restaurante, ao cinema, com quem se tem sexo. Mas uma vez mais eu não diria que se trata de sexo entre amigos. Tal como são raros os grandes amores e muito numerosos os amantes, assim também são raros os amigos e muito numerosos os conhecidos com os quais pode acontecer que se acabe de quando em vez por se ir para a cama.
Elena Ferrante, in 'A Invenção Ocasional'