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Elena Ferrante

Itália

Escritora
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Risos

Rio com gosto, sem me refrear, e tanto que me faz doer os músculos à volta da boca. Gosto também de fazer rir, mas poucas vezes consigo fazer rir. Em geral o que me parece cómico não faz rir ninguém. Lembro-me de uma vinheta humorística que em rapariga me divertia muito. Mostrava bem visível o sinal que proíbe buzinar: uma buzina com um círculo à volta traçada por um risco na diagonal. Depois, havia o desenho de um automóvel descapotável, parado devido a um peão tão distraído como fleumático que o impedia de avançar. O condutor aparecia todo inclinado para a frente, debruçado por cima do pára-brisas, um pé em cima do assento, o outro na capota do motor, enquanto tocava um violino ao ouvido do peão. Eu ria-me e as minhas amigas diziam: Porque é que lhe achas tanta graça? Sim, porquê? Ainda hoje não é claro para mim. É verdade que o riso que me agrada é deste tipo e gosto de quem saiba construir situações cómicas semelhantes. Talvez me ria pelo facto de o símbolo da buzina ser tomado à letra: tocar a buzina é proibido, tocar o violino evidentemente que não, e daí o recurso ao arco para indicar ao peão que saia do caminho. Talvez me ria por ter a impressão de que empregar o violino não se limita a contornar a proibição, mas sugere a substituição da tão incomodativa buzina por outra coisa mais agradável. Talvez me ria porque as proibições sempre me angustiaram e uma sua transgressão airosa, uma quase não transgressão, me alivia a ansiedade. O que o riso pode fazer é para mim não mais do que isto: afrouxar um estado de tensão insuportável. Quanto ao resto, parece-me sobrestimado. O riso é tão só um breve, muito breve, respirar de alívio. Não creio — nunca cri — que fosse capaz de pôr fim às prepotências do poder. Nenhum poder cedeu alguma vez perante o riso. O ridículo irrita, é certo, os poderosos, mas não os elimina. Como não atenua minimamente a nossa exposição à doença e à morte. Mas, enquanto rimos, sentimos menos o torno que se fecha sobre a nossa vida. Será por isso que o riso que, do ponto de vista literário, me interessa mais é o que explode em situações em que o rir é inconcebível, senão parece uma perfídia. Há em A Voz do Dono de Stanislaw Lem um momento desse tipo: confrontado com a agonia da mãe, um rapazinho de nove anos vai para o seu quarto, faz caretas ao espelho e ri-se. Este riso frente ao Insuportável é um desafio para a literatura e é hoje o riso que me interessa mais.

Elena Ferrante, in 'A Invenção Ocasional'




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