As Pessoas Satisfeitas
O homem satisfeito da vida é passado para trás, e o insatisfeito ocupa o seu lugar. Se formos suficientemente palermas para nos sentirmos satisfeitos, é melhor não o demonstrarmos, antes devemos resmungar em coro com o resto dos homens; e, mesmo que nos contentemos com pouco, o melhor é pedirmos muito. É que, se o não fizermos, acabamos por não receber nada. Neste mundo é necessário adoptar o princípio perfilhado pelo queixoso num processo por perdas e danos, e pedir um valor dez vezes superior ao que estamos dispostos a aceitar. Se nos satisfazemos com cem, comecemos por insistir que queremos mil; se começarmos por sugerir cem, acabamos por só receber dez.
(...) Que coisa aborrecida, além do mais, deve ser a vida para as pessoas satisfeitas! Têm tanto tempo que não sabem o que hão-de fazer com ele; e gostava que alguém me explicasse a que é que elas dedicam os seus pensamentos, se é que têm alguns. Ler o jornal e fumar cachimbo parece ser 0 alimento intelectual da maioria delas, a que as mais enérgicas adicionam tocar flauta e falar da vida do vizinho do lado.
As pessoas satisfeitas nunca saborearam o entusiasmo da expectativa nem o gozo austero do esforço premiado em, suma, o pulsar do sangue nas veias do homem que tem fitos na vida, esperanças, planos. Para o ambicioso, a vida é um esplêndido jogo - um jogo que faz apelo a todo o seu tacto e energia e genica, um jogo que é preciso vencer, a longo prazo, com olho vivo e mão firme, ainda que o acaso desempenhe um papel suficientemente importante no seu desenlace para lhe conferir o magnífico sabor da incerteza. Ele exulta neste jogo assim como o nadador robusto ao romper as vagas alterosas, como o atleta ao envolver-se numa luta corpo-a-corpo, como o soldado ao travar uma batalha.
Mesmo que seja derrotado, resta-lhe o júbilo amargo de ter combatido; caso perca a corrida, ao menos correu. É melhor trabalhar e fracassar do que passar a vida inteira a dormir.
Por isso avante, avante, avante. Avante, senhoras e senhores! Avante, rapazes e raparigas! Mostrai os vossos talentos e exibi a vossa força; desafiai a sorte e provai o vosso nervo. Avante! O espectáculo nunca fecha as suas portas e o jogo nunca cessa. Trata-se do único desporto digno desse nome em toda a feira, meus senhores, extremamente respeitável e de padrões morais irrepreensíveis, recomendado pela nobreza, pelo clero e pela plebe. Criado no ano um, meus senhores, e florescente desde então — avante! Avante, senhoras e senhores, tentai a vossa sorte. Há prémios para todos, todos podem jogar. Há ouro para o homem e fama para o mancebo; há um bom casamento para a donzela e prazeres para o simplório. Por isso avante, senhoras e senhores, avante! Todos os bilhetes são premiados, ninguém joga em vão; é que só um punhado de felizardos vence, mas, quanto aos restantes, pois bem...
O êxtase da contenda
É o prémio do vencido.
Jerome K. Jerome, in 'Ociosas Reflexões de um Ocioso'