Eu desejaria que o Novo Ano trouxesse no ventre morte, peste e guerra. Morte à senilidade idealista e à retórica embalsamada; peste para um certo código cultural que age sobre os grupos e os transforma em colectividades emocionais; guerra à recuperação da personalidade duma cultura extinta que nada tem a ver com a cultura em si mesma.

Eu desejaria que o Novo Ano trouxesse nos braços a vida, a energia e a paz. Vida o suficientemente despersonalizada no caudal urbano para que os desvios individuais não sejam convite ao eterno controlo e expressão das pessoas; energia para desmascarar o sectarismo da sociedade secularizada em que o estado afectivo é mais forte do que a acção; paz para os homens de boa e de má vontade.

(31 de Dezembro de 1979)

Agustina Bessa-Luís, in 'Caderno de Significados'

1. O Português
2. Novo Ano
3. Crónica de Natal
4. Os que Morrem por Amor
5. A Doutrina Perfeita
6. A Fidelidade é a mais Integral de todas as Virtudes Humanas
7. Os Supermercados
8. A Melhor Prova duma Real Amizade
9. A Construção da Personalidade Criadora
10. A Importância da Arte
11. A Crítica é Menos Eficaz do que o Exemplo
12. A Glorificação das Aparências
13. A Capacidade de Adaptação dos Portugueses
14. Os Portugueses São Profundamente Vaidosos
15. As Memórias Procriam como se Fossem Pessoas Vivas
16. O Que é Escrever?
17. Sociedade do Desperdício
18. A Psicologia do Medo
19. A Saturação da Servidão
20. A Idade do Divórcio
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