O Nascedouro do EspÃrito
Tudo o que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na penumbra. Vejo pouco, ouço quase nada. Mergulho enfim em mim até o nascedouro do espÃrito que me habita. Minha nascente é obscura. Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espÃrito. O corpo informa muito. Mas eu desconheço as leis do espÃrito: ele vagueia. Meu pensamento, com a enunciação das palavras mentalmente brotando, sem depois eu falar ou escrever — esse meu pensamento de palavras é precedido por uma instantânea visão, sem palavras, do pensamento — palavra que se seguirá, quase imediatamente — diferença espacial de menos de um milÃmetro. Antes de pensar, pois, eu já pensei.
Clarice Lispector, in 'Um Sopro de Vida'