Paixão Única
Quem me dera poder ver-te!
Ai! quem me dera dizer-te,
Que pude amar-te, e perder-te,
Mas olvidar-te... isso não!
Que no ardor de outros amores,
Através de mil dissabores,
Senti vivas sempre as dores
Duma remota paixão.
Com que dorida saudade
Penso nessa mocidade,
Nessa vaga ansiedade,
Que soubeste compreender!
E tu só, só tu soubeste,
Que, num mundo, como este,
Qual florinha em penha agreste,
Pode a flor da alma morrer.
Orvalhaste-a quando ainda,
Ao nascer, singela e linda,
Respirava a esperança infinda,
Que consigo a infância tem.
Amparaste-a, quando o norte
Das paixões, soprando forte,
Lhe quiz dar rápida morte
Como à cândida cecem!
E, depois, nuvem escura
Lá no céu desta ventura
Enlutou-me a aurora pura
Dos meus anos infantis.
Houve nesta vida um espaço,
Onde nunca dei um passo,
Em que não deixasse um traço
De paixões torpes e vis !
E não tenho outra memória
Que me inspire altiva gloria,
Nem outro nome na historia
De meus delírios fatais.
Se percorro à longa escala,
De paixões que a honra cala,
Quem de um nobre amor me fala
És só tu... e ninguém mais!..
És só tu! De resto, apenas
Nestas variadas cenas
De ilusões, e inglórias penas,
Nada sinto o que perdi!...
Sinto bem esse desdouro,
Que comprei com falso ouro,
Em desprezo de um tesouro,
Que só pude achar em ti!
Camilo Castelo Branco, in 'Carta a Patrícia Emília'