George Sand

França
1 Jul 1804 // 8 Jun 1876
Escritora

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Sei como Amar e como Sofrer

Nascidos sob céus diferentes, não temos nem os mesmos pensamentos nem a mesma língua — teremos, por ventura, corações semelhantes?
O clima ameno e nublado de onde venho deixou-me com sensações carinhosas e melancólicas; que desejos te deu o sol generoso que te bronzeou a face? Sei como amar e como sofrer, e tu, o que sabes tu de amor?
O calor dos teus olhares, o violento apertar dos teus braços, o fervor do teu desejo, seduzem-me e assustam-me. Não sei se hei-de combater a tua paixão ou partilhá-la. Não há amor como esse no meu país; ao teu lado, não sou mais do que uma estátua pálida que te respeita com desejo, com dificuldade, com assombro. Não sei se me amas realmente, nunca hei-de saber. Posso apenas dizer algumas palavras na minha língua, e não sei suficientes palavras da tua para entrar em questões subtis. Talvez, mesmo se conhecesse perfeitamente a língua que falas, não fosse capaz de me fazer entender. O sítio onde vivemos, as pessoas que nos educaram, são, sem margem para dúvidas, o motivo pelo qual temos ideias, sentimentos e necessidades que não conseguimos explicar um ao outro. A minha natureza débil e o teu temperamento impetuoso devem produzir ideias muito diferentes. Não deves conhecer, ou menosprezas, os milhares de sofrimentos triviais que me causaste; deves rir com o que me faz chorar. Talvez nem saibas o que são lágrimas. Serias para mim um apoio ou um mestre? Serias capaz de me consolar pelos males que vivi antes de te conhecer? Entendes por que estou triste? Sabes o que é compaixão, paciência e amizade? Talvez tenhas sido educado com a ideia de que as mulheres não têm alma. Achas que têm? Não és cristão nem muçulmano, nem civilizado ou bárbaro — és um homem? O que há nesse peito masculino, por detrás dessa soberba face, desses olhos leoninos? Alguma vez tiveste um pensamento mais nobre, mais belo, um sentimento fraternal devoto? Quando dormes, sonhas que te estás a dirigir para o Céu? Quando os homens te enganam, continuas a confiar em Deus? Deverei ser a tua companheira ou a tua escrava? Desejas-me ou amas-me? Quando a tua paixão estiver satisfeita, vais agradecer-me? Quando te tiver feito feliz, saberás como me dizer tal coisa? Sabes o que sou e perturba-te não o conheceres? Sou para ti um ser desconhecido que deve ser procurado e com o qual se deve sonhar, ou sou aos teus olhos como uma daquelas mulheres que engordam nos haréns? Aos teus olhos, nos quais penso ver uma faísca divina, não há nada que não seja luxúria, como a que essas mulheres inspiram? Conheces aquele desejo da alma que o tempo não consegue saciar, que nenhum excesso enfraquece ou cansa? Quando a tua amante dorme nos teus braços, ficas acordado para olhar por ela, para orar a Deus e para chorar? Os prazeres do amor deixam-te sem fôlego e brutalizado, ou remetem-te para um êxtase divino? A tua alma sobrepõe-se ao teu corpo quando deixas o peito daquela que amas? Ah, quando te observar retirares-te silenciosamente, deverei saber se estás pensativo ou a descansar? Quando o teu brilho estiver a definhar, será ternura ou lassidão? Talvez te apercebas de que não te conheço e de que tu também não me conheces. Também não conheço o teu passado, nem o teu carácter, nem o que os homens que te conhecem pensam de ti. Talvez sejas o primeiro, talvez o último entre eles. Amo-te sem saber se posso ter estima por ti, amo-te porque me agradas, e talvez um dia seja forçada a odiar-te. Se fosses um homem do meu país, interrogar-te-ia e tu entender-me-ias. Mas talvez devesse estar ainda mais triste, pois irias enganar-me. Como as coisas são, pelo menos não me enganarás, não farás promessas vãs e falsos votos. Irás amar-me tal como entendes o amor, como consegues amar. O que procurei em vão nos outros não encontrarei, porventura, em ti, mas posso sempre acreditar que o possuis. Aqueles olhares, aquelas carícias de amor que pelos outros sempre foram falsas para mim, vais permitir que as interprete como desejar, sem lhes adicionares palavras enganadoras. Serei capaz de interpretar os teus devaneios e preencher os teus silêncios com eloquência. Darei às tuas acções as intenções que desejar que elas tenham. Quando olhares para mim com ternura, acreditarei que a tua alma está a contemplar a minha; quando lançares um olhar ao céu, acreditarei que a tua mente se vira para a eternidade de onde brotou. Deixa-nos permanecer assim, não aprendas a minha língua e não tentarei encontrar, na tua, palavras para expressar as minhas dúvidas e os meus receios. Quero permanecer ignorante em relação ao que fazes com a tua vida e ao papel que desempenhas entre os outros homens. Nem sequer quero saber o teu nome. Esconde a tua alma de mim, para que possa acreditar sempre que é linda.

George Sand, in 'Carta a Pietro Pagello, 10 de Julho de 1834'




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